segunda-feira, 30 de maio de 2011

Agenda de junho de 2011

Neste mês, confira as atividades do Grupo Práticas de Socialização Contemporâneas (GPS), palestras proferidas pela professora Graça Setton e outras informações sobre disciplinas do semestre:

Dia 27 de junho
Palestras
20hs, sala 110, Bloco A, Fe-USP.

Norbert Elias e Sigmund Freud

Prof. Paulo Endo – IP-USP

Norbert Elias e Georg Simmel

Doutorando em Sociologia Arthur Bueno – FFLCH- Depto. Sociologia - USP
Coordenação – Profa. Maria da Graça Jacintho Setton

Leituras indicadas para o seminário

  • "O problema da sociologia". In: Moraes Filho; Evaristo de (org.). Georg Simmel: sociologia (Coleção Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Ática, 1983, pp. 59-78.
  • "El problema de la sociología". In: Simmel, Georg. Sociología. Estudios sobre las formas de socialización. Madrid: Alianza, 1986, pp. 11-37.
  • "O dinheiro na cultura moderna". In: Souza, J. e Oëlze, B. (orgs.). Simmel e a modernidade. Brasília: ed. UnB, 1998, pp. 23-40.
  • "O dinheiro na cultura moderna". In: Simmel, Georg. Psicologia do dinheiro e outros ensaios. Lisboa: Texto & Grafia, 2009, pp. 41-61.
  • O mal-estar na civilização, de Sigmund Freud

Datas das atividades e apresentações de projeto da disciplina de Pós-Graduação Projetos de pesquisa: leituras sobre o método e técnicas na sociologia da educação. Os projetos serão postados para leitura aqui.

Dia 07 de junho

Discussão Projetos de Emerson e Renata

Dia 14 de junho
Socialização de livros sobre metodologia de pesquisa

Dia 21 de junho
Discussão Projetos de Ludmila e Tais

Avaliação – Participação em aulas, seminários e reelaboração dos projetos de pesquisa.
Entrega Projeto Reelaborado – 30 de julho de 2011.

Confira também o texto das palestras proferidas pela Profa. Graça Setton:

Prática docente: algumas questões do campo sociológico (UFMS), dia 25 de maio. Leia aqui.

A materialidade da Cultura Midiática (UFSC), dia 27 de maio. Leia aqui.

Texto da aula do dia 23 de maio, sobre o encerramento da leitura do livro O Processo Civilizador - uma história dos costumes, na disciplina optativa Leituras de Norbert Elias (Leia aqui em PDF).

Palestra - Prática docente: algumas questões do campo sociológico

SEMINÁRIO - “TRINTA ANOS DO CURSO DE PEDAGOGIA/CCHS/UFMS (1981-2011)

Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Dias 24 a 27 de maio de 2011.

Maria da Graça Jacintho Setton

Professora de Sociologia

Faculdade de Educação – USP- Brasil

Pratica docente: algumas questões do campo sociológico

Introdução

Primeiramente gostaria de parabenizar ao curso de Pedagogia da Universidade do Mato Grosso do SUL que completa nesta ocasião 30 anos de existência. Certamente é uma data que precisa ser homenageada e mais do que isso esta comemoração enseja um momento de reflexão sobre nossa prática enquanto investigadores da área da Educação.

Gostaria de agradecer também a oportunidade de estar aqui com vcs discutindo um tema de extrema importância nos tempos atuais, ou seja, a prática docente, a partir de questões do campo sociológico.

O que trago para hoje, trata-se nomeadamente de uma discussão ainda de caráter exploratório e preliminar, mas que busca elementos e ou subsídios para a orientação de trabalhos de pesquisa no campo da teoria da socialização.

Mais especificamente um esforço em problematizar a prática do educador a partir da noção de habitus docente, noção muito utilizada nas investigações sobre professores, mas que sempre oferecem inquietações, pois generalizam um comportamento, um jeito de ser difícil de ser alcançado dado as condições continentais no Brasil, dado os seus distintos espaços de aprendizado e formação e, as diversas trajetórias desse segmento social em constante crescimento.

Ao conhecer, discutir e problematizar a prática docente, a partir da teoria das disposições de cultura, minha área de concentração de pesquisa, julgo estar contribuindo para o campo das políticas públicas, para prática cotidiana do educador, bem como pode servir de subsídio para os cursos de Pedagogia, hoje tão questionados e em vias de esvaziamento.

É nesse ponto que vou me debruçar hoje. Vou propor a questão: em tempos atuais deveríamos usar a noção de habitus docente sem questionamentos ou poderíamos trocá-la por uma noção mais próxima ao real empírico e afirmar que não teríamos um habitus docente coerente e único, mas teríamos um conjunto de disposições hibridas do habitus que comporiam a prática do docente.

A reflexão, portanto parte de uma experiência teórica acerca da teoria disposicionalista da atualidade em que advoga a justaposição de distintas instâncias educativas no Brasil contemporâneo.

Primeiramente, seria preciso lembrar que o processo de socialização nas sociedades atuais é um espaço plural de múltiplas referencias identitárias. Ou seja, a modernidade brasileira caracteriza-se por oferecer um ambiente social no qual o professor encontra condições de forjar um sistema híbrido de referências disposicionais, mesclando influências advindas de muitas matrizes de cultura – por exemplo, a família, suas escolas de formação, a religião, as mídias, seu grupo de pares etc.

Em tese, poderíamos afirmar que o que temos pela frente é um professor plural, na acepção de Bernard Lahire. Um professor que age, pensa e ensina segundo uma multiplicidade de influências culturais.

Para desenvolver esse argumento, parto de trabalhos anteriores em que analisei a particularidade da configuração cultural no Brasil, desde aproximadamente a década de 1970. Considerei, primeiramente, a coexistência marcante de diferentes matrizes socializadoras na formação cultural do povo brasileiro registrando duas temporalidades bastante distintas. Temporalidades ainda em curso que podem ser caracterizadas, grosso modo, pelos pares de conceitos periferia / centro, tradicional / moderno, rural / urbano, cultura oral / cultura letrada.

Especificamente, em relação aos professores pesquisas vem apontando a imensa variedade de condicionantes sócio históricos de sua prática, formação e experiência profissional. Dessa forma, justifica-se uma inquietação sobre a existência de um único habitus em amplos segmentos da população docente.

Na perspectiva de desenvolver essa hipótese em um argumento teórico consistente, proponho uma breve apreciação de dois autores paradigmáticos que ajudam a avançar nessa direção, Pierre Bourdieu e Bernard Lahire.

Bernard Lahire é atualmente professor da École Normale Superieure Lettres et Sciences Humaines e Diretor do Grupo de Pesquisa sobre Socialização, ambos sediados, na Universidade Lumière 2, em Lyon, França. Lahire tem como tema central de suas pesquisas o processo de socialização e os processo de construção de disposições sociais e culturais.

Bernard Lahire é, simultaneamente, grande admirador e grande crítico da obra de Pierre Bourdieu. Observa-se em seus escritos uma acentuada necessidade de problematizar uma das principais contribuições desse autor. Como ele mesmo diz, trabalha a favor e contra Bourdieu o tempo todo. Um dos pontos centrais da tese de Lahire é questionar a teoria da prática de Bourdieu, a teoria da ação dos agentes sociais, principalmente no que se refere à teoria do habitus.

Segundo Lahire, não se pode pensar o indivíduo contemporâneo sendo regido apenas por um único princípio de conduta. Hoje, cada vez mais, somos socializados com base em uma multiplicidade de princípios, o que poria em xeque a teoria do habitus. Apoiado no conceito de habitus, Lahire afirma que Bourdieu constrói um homem perfeito, enquanto a realidade demonstra ser o indivíduo altamente complexo.

A teoria do habitus de Bourdieu é compreendida por Lahire como um princípio de unificação das práticas e representações, em outras palavras, um mito baseado em uma identidade pessoal invariável. Assim Bernard Lahire reitera que a produção homogênea de um habitus em todas as esferas da vida é um sonho.

Para Lahire, desde que um ator esteja simultânea e sucessivamente no seio de uma pluralidade de mundos sociais não homogêneos e às vezes contraditórios, como é o caso de nossos docentes, ele é exposto a um estoque de esquemas de ação ou de habitus não homogêneos, não unificados e, consequentemente, a práticas heterogêneas, variando segundo o contexto social o qual será levado a valorizar.

Para Lahire é mais frequente encontrar atores individuais menos unificados e portadores de habitus heterogêneos e, em certos casos, opostos e contraditórios. Sem postular uma lógica de descontinuidade absoluta pressupondo que esses contextos sejam radicalmente diferentes, sugere ponderar que nem todas as experiências são sistematicamente coerentes, homogêneas e, mesmo, compatíveis. Para Lahire vivemos simultânea e sucessivamente em contextos sociais diferenciados e não equivalentes.

Poderíamos afirmar segundo esse raciocínio que o professor seria um indivíduo plural, isto é, produto de experiências de socialização forjadas em contextos sociais múltiplos e heterogêneos. Os professores pertenceriam, simultânea e sucessivamente, no curso de sua trajetória, a universos sociais variados ocupando posições diferentes.

Em síntese, segundo Lahire, um indivíduo exposto a uma pluralidade de mundos sociais se submeteria a princípios de socialização heterogêneos e, às vezes, contraditórios e, em assim sendo, não responderia ou agiria segundo um sistema único de disposições de habitus.

Contudo, ainda que muito do que B. Lahire apresentou seja um avanço em relação à teoria da socialização, julgo que para os interesses desta reflexão deveríamos, primeiramente, fazer algumas considerações de ordem mais geral a respeito de sua obra.

Partidário, então, de uma sociologia do indivíduo ou de suas singularidades, Lahire pretende dar um salto em relação às teorias sociológicas, especificamente à sociologia da socialização. Em seu ponto de vista, a teoria sociológica, há certo tempo, passa por um estado de letargia aceitando sem questionamentos a teoria da prática de Bourdieu.

Lahire, então, aponta quais os erros que a sociologia vem sistematicamente seguindo ao ocultar a possibilidade de construir outro olhar sobre a realidade do social bem como o que a própria ciência da sociedade acrescentaria e ganharia em esclarecimento se estivesse aberta para outra leitura.

Em suas discussões mais recentes, em O homem plural e A cultura dos indivíduo, Lahire parte da hipótese de que o indivíduo se socializa com base em uma pluralidade e uma heterogeneidade de disposições incorporadas, não agindo sobre o mundo, não construindo suas práticas seguindo um princípio único norteador. Para ele, o indivíduo faz uso de uma grande variedade de referências disposicionais, às vezes incoerentes ou até mesmo contraditórias. Aposta na pluralidade das fórmulas geradoras das práticas incorporadas.

Nesse sentido, ele de fato avança nas discussões sobre o tema da socialização na contemporaneidade. Para contextualizar uma nova configuração de socialização no mundo moderno, Lahire considera as mudanças sofridas nas relações institucionais fazendo de suas colocações leituras imprescindíveis. E atenta também para a necessidade real de melhor circunstanciar empiricamente as diferentes formas de se produzirem disposições culturais.

Não obstante, acredito que suas críticas podem e devem ser problematizadas.

Para o interesse desta discussão, creio ser importante enfatizar, suas críticas relativas ao conceito de habitus. Para esse ele, é que se definimos habitus como um sistema homogêneo de disposições gerais, permanentes, sistemas transferíveis de uma situação a outra, de um domínio de práticas a outro, então cada vez menos agentes de nossas sociedades serão definíveis a partir de um tal conceito.(....) Nas sociedades em que todos conhecem muito cedo uma diversidade de contextos socializantes os patrimônios individuais de disposições raramente são muito coerentes e homogêneos.

Contudo, ainda que se considere sua contribuição inegável, acompanhando com interesse o desenvolvimento de seus argumentos, pensa-se que a compreensão de Bernard Lahire sobre a teoria da ação ou sobre a teoria do habitus de Bourdieu deve ser repensada.

Ou seja, diferentemente de Bernard Lahire, postulo que o conceito de habitus, tal como discutido por Bourdieu, pode ainda dar conta da especificidade da formação da identidade pessoal e grupal dos indivíduos na contemporaneidade. Mais do que isso, considero que o conceito de habitus fundamenta a hipótese de que é preciso compreender o habitus docente de forma atualizada. Isto é, fruto de um processo amplo, complexo e estruturado com base em uma multiplicidade de experiências formadoras, que resulta em um habitus composto por disposições híbridas.

O entendimento que faço sobre a teoria do habitus poderia incluir, sim, o adjetivo plural. Julgo expressivo, a noção de habitus plural pois resulta do encontro e ou enfrentamento de muitas referências, às vezes díspares.

Mas reitero que não deixaria de ser um sistema de referência, uma matriz geradora de disposições, ainda que sejam disposições heterogêneas e ou híbridas. Um conceito necessário para explicitar o laço entre professor e suas instituições formadora.

Em outras palavras, um habitus docente plural, mas representado na forma de um sistema, sem perder de vista o vivido pelos sujeitos, sistema capaz de gerar princípios de ação, percepção e julgamento. Ou seja, produto de vivências de socialização contextualizadas em muitas matrizes culturais, em muitos contextos temporais distintos, presentes na vida de cada um dos docentes, experimentadas, sobretudo, em situações coletivas, contudo realizadas por ele.

Assim, pensar o docente contemporâneo a partir da configuração de forças entre essas agências de socialização impõe um outro aporte teórico, obriga a necessidade de compreender a prática docente de maneira mais complexa e dinâmica

Compreendo que é possível divergir de Lahire quando ele afirma que a teoria do habitus de Bourdieu não é mais produtiva para pensar o homem contemporâneo, pois Bourdieu o construiu com uma base sistêmica e unitária, homogênea. Um mundo socializador que não existe mais nas formações modernas.

Habitus, segundo minha leitura, é um conceito e, portanto deve ser circunstanciado historicamente, definição que expressa a mediação indivíduo-sociedade, é principio explicativo das práticas e das representações de indivíduos em conjunturas específicas e particulares. Habitus deve ser visto como mediação que se constrói processualmente, em muitos momentos da trajetória dos sujeitos, conjunto de experiências acumuladas e interiorizadas, incorporadas, assim sendo, passíveis de se sedimentarem e se realizarem como respostas aos momentos de necessidade.

Habitus não precisa ser coerente e homogêneo para se constituir enquanto tal. Pode ser construído por disposições híbridas, desde que as condições de formação assim o determinem.

Nesse sentido, avalio também que o conceito de habitus construído por disposições híbridas é mais adequado do que a afirmação de Lahire de incoerente ou plural, pois admite mais explicitamente a ideia de criação, amálgama, mistura realizada pela vivência e pela capacidade de cada docente montar uma experiência identitária.

O repensar da teoria do habitus com base na sua hibridação é melhor também, pois ajuda a refletir na conjunção de elementos de matrizes de cultura díspares, em contextos sociais e profissionais variados

Não há um único habitus docente, há o resultado de um conjunto heterogêneo de experiências de formação cultural que particulariza cada um. Assim é possível pensar o habitus dos muitos docentes brasileiros, que vivem em formações de cultura diferenciadas, modernas ou tradicionais.

Norte, Sudeste e Centro Oeste do Brasil, zona rural ou urbana, periferia ou centro, múltiplas formações de cultura só aparentemente contraditórias, pois elas enquanto conjunto de experiências, são responsáveis por proporcionar as disposições híbridas do habitus do educador.

Essa é a diferença, não é simplesmente plural nem simplesmente incoerente e contraditório o habitus dos docentes da contemporaneidade e como decorrência suas práticas. A experiência de socialização vivida em formações sociais como a brasileira impõe pensar os habitus como mais que plurais, eles podem ser produto de experiências de socialização particulares, ou resultado de valores identitários oriundos de muitas matrizes de cultura, mas nem por isso são incongruentes ou contraditórios; são antes de tudo compostos por disposições híbridas.

Ou talvez habitus com disposições sincréticas, pois sua criação admite a perda de alguns aspectos, mas a admissão de outros em um processo de difícil previsão. É produto criativo de docentes em situações práticas peculiares e singulares, pois depende de um conjunto de circunstâncias sociais, políticas, religiosas, econômicas, escolares, midiáticas, globalizadas, que não se apresentam iguais para todos.

Reitero, trago aqui apenas algumas notas exploratórias acerca da prática docente a partir de algumas questões atuais da sociologia. Penso que pode ser um insight instigante na problematização da noção habitus docente, que não faz jus a complexidade das experiências de formação e profissionalização do educador brasileiro.

Muito Obrigada pela atenção.

Palestra: A materialidade da Cultura Midiática (UFSC)

Universidade Federal de Santa Catarina

Dia 27 de maio de 2011

Maria da Graça Jacintho Setton

Professora de Sociologia

Faculdade de Educação - USP

A materialidade da Cultura Midiática

Primeiramente, gostaria de agradecer ao convite do Prof. Silvio Serafim da Luz Filho e demonstrar meu contentamento sincero em estar aqui partilhando com colegas uma troca de experiências de investigação acerca da cultura das mídias na atualidade.

Estou convencida de que essas oportunidades expressam formas de intercâmbio acadêmico invejável, publicizamos nossas reflexões e investigações.

Tentando responder às inquietações que estimularam a organização desse evento e o título dessa palestra, trago aqui duas maneiras de se pensar a materialidade da cultura midiática no mundo moderno a partir de um ponto de vista da Sociologia da Educação.

A primeira delas se refere à materialidade da produção acadêmica acerca desse tema e a segunda se refere à materialidade do uso ou das formas de recepção da cultura midiática vivida e experienciada pelos jovens brasileiros nos últimos anos.

Trata-se ainda de um desdobramento de questionamentos realizados em meu livro Educação e Mídia, recém publicado, pela Editora Contexto.

Além disso, o que trago hoje para discussão é fruto de um esforço grandioso realizado no interior da Faculdade de Educação da USP, no qual tive o privilégio de participar. Trata-se de um levantamento sistemático no banco de teses da Capes, nos anos de 1999 a 2006, acerca das investigações produzidas em todos os programas de pós graduação, no Brasil, na área da Educação, Ciências Sociais e Serviço Social, no campo da sociologia da juventude, coordenado pela Profa Marilia Sposito.

Embora esse exercício tenha sido feito a partir de vários temas, trago hoje, para essa ocasião, apenas o tópico Jovens, Mídias e TICs.

Assim, ao ser convidada a desenvolver uma reflexão sobre a materialidade da cultura das mídias, tenho o contentamento de agora partilhar com vocês parte dos principais resultados desse estudo.

Ainda que se saiba sobre os limites de mapeamentos dessa natureza, penso que conseguimos registrar uma síntese produtiva do tipo de reflexão que estimula nossos pesquisadores bem como as referências teóricas e metodológicas que fazem uso para realizarem suas pesquisas.

Grosso modo é possível afirmar que as discussões relativas às interfaces entre Jovens e mídias nas áreas da Educação, Ciências Sociais e Serviço Social estão ainda em fase de consolidação. Embora um grupo de estudiosos venha se debruçando sobre esta articulação de temas, falta-nos um corpo de pesquisas teóricas e empíricas com expressividade e visibilidade acadêmica nacional.

Vale salientar, contudo, que com relação ao estado de conhecimento anterior referente ao período de 1984-1998 observamos um crescimento expressivo de trabalhos nesse tema.

Se nos quatorze anos anteriores o tema Juventude e mídia tinha apresentando apenas treze trabalhos, o intervalo atual de sete anos registra o número de expressivo 74 dissertações e teses.

A área da Educação é majoritária apresentando-nos 61 trabalhos, seguida de longe pelas Ciências Sociais com treze estudos (quatro na área da Antropologia e nove na Sociologia). A área de Serviço Social registrou apenas uma dissertação de mestrado. Ao todo foram escritos 64 mestrados e dez doutorados. Dada a concentração de Programas de Pós-Graduação nas Regiões Sudeste e Sul, é esperado que ambas se destaquem com uma produção significativa. As outras regiões brasileiras embora registrem interesse pelo tema ainda não apresentam uma produção expressiva sendo que a Região Norte nada produziu neste período acerca da articulação Juventude e mídias.

Assim, primeiramente, gostaria de ressaltar que o número de estudos lidos nas diferentes áreas já é um dado que consideramos ser interessante. A questão das mídias e sua presença na vida do jovem não parece ser um tema prioritário na agenda das áreas das Ciências Sociais e do Serviço Social. Ao todo apenas treze estudos que pouco agregam em termos teóricos, mas que avançam em termos de qualidade analítica no que se refere aos estudos sobre blogs e hackers a partir de uma etnografia virtual.

No que se refere às reflexões das CS destinadas às velhas mídias como a TV, cinema e propaganda, os argumentos apresentados na maioria dos trabalhos destas áreas, ainda que não venham acrescentar ao muito do que já foi escrito sobre o assunto, têm o notável cuidado de problematizar a mediação entre produção e recepção das mensagens a partir do referencial teórico dos Estudos Culturais, sem abandonar, no entanto, as críticas relativas ao poder ideológico da linguagem televisiva. Neste sentido, acompanhando o debate atual a área da CS está alinhada a uma perspectiva de análise de observar a tensão existente entre uma cultura hegemônica expressa pelas mídias e suas diversas apropriações, usos e materializações.

Por contraste, é possível observar, que a temática Juventude e mídias vêem aos poucos assumindo um volume expressivo nas discussões da área da Educação. Um número não desprezível de trabalhos, em um espaço de sete anos responde, sem dúvida, a uma inquietação acadêmica legítima desta área. Contudo, a qualidade reflexiva realizada ainda é frágil demandando um maior adensamento teórico bem como um refinamento nas análises do material empírico coletado.

É interessante ressaltar, que a polêmica há muito conhecida sobre o caráter manipulador das mensagens e bens simbólicos divulgados pelas mídias continua sendo a grande tônica dos trabalhos na área da Educação. Alertamos para a dificuldade evidente de muitos trabalhos em usar de maneira cuidadosa as contribuições da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Poucos são os estudos na área da Educação que são estimulados a pensar a relação, emissor e receptor, a partir de uma metodologia relacional, enfatizando o caráter dialógico e dialético das trocas comunicativas via circulação midiática. Poucos são aqueles que se apropriaram dos ensinamentos de Morin de “seguir a cultura de massa, no seu perpétuo movimento da técnica à alma humana da alma humana à técnica,

É possível salientar ainda que na grande maioria dos trabalhos lidos, independente da área do conhecimento, depreende-se um certo tom moralista e missionário de parte dos pesquisadores. Os adolescentes ou jovens bem como o mundo adulto devem ser alertado para os riscos de uma socialização pelas mídias. A capacidade de gestão dos processos criativos de um sujeito receptor é pouco desenvolvida, dando-se ênfase no caráter, se não manipulador, pelo menos, determinante da cultura das mídias no universo jovem.

Neste sentido, aconselho uma postura que consiga desenvolver novos olhares sobre as diferentes possibilidades de materialização, usos dos recursos e conteúdos disponibilizados pela cultura midiática. Ainda que muitos dos trabalhos tenham levantado informações importantes, vale alertar que a profundidade das análises, sempre deixada para os capítulos finais, não cumpre as expectativas anunciadas no início. É como se o fôlego, o tempo de escrita ou o tempo de amadurecimento das reflexões dos autores fossem reduzidos dada a complexidade das articulações necessárias para este eixo de investigação.

Mas, sem dúvida nenhuma, no que se refere aos sub temas Novas Mídias, e Imagens e Representações sobre Juventude, as áreas das Ciências Sociais e Educação se aproximam em termos de leitura teórica e metodológica. Em ambas as áreas, ainda que o número de pesquisas seja muito diferente, observamos que a ênfase é mostrar o potencial criativo e emancipador das TICs.

A velha polêmica sobre o caráter profano, vulgar e alienante da TV desprovido de potencialidades educativas nobres, desaparece quase totalmente quando se discute o computador e seu novo universo de realizações. O computador e a Internet surgem como instrumentos de trabalho, suportes educativos com um poder ainda pouco conhecido, mas carregado de uma aura ilusória e por vezes mágica.

Somado a isso podem ser vistos como espaço emancipador na medida em que seu uso seja controlado continuamente por um projeto pedagógico claro; a Internet é compreendida ainda como um espaço de autonomia e reflexividade já que provoca estímulos e motivação criativa nos jovens; em síntese, considera-se o computador como um instrumento quase indispensável para a produção e transmissão do saber contemporâneo.

Como primeira síntese, de certa forma, poderíamos afirmar que existe uma polarização entre o caráter positivo das novas mídias e o caráter negativo das velhas mídias em ambas as áreas do conhecimento (Ciências Sociais e Educação). No nosso entender, leituras pouco produtivas para o campo acadêmico. Falta-nos, portanto, um olhar mais equilibrado que seja capaz de observar as reais condições de possibilidades e propósitos de utilização destes recursos culturais ou suportes materiais nos vários segmentos sociais ou seja, certa dificuldade de problematizar a materialidade dos usos.

Por fim, ainda que timidamente pelo número de trabalhos e resultado das análises, podemos afirmar que três estudos na área da Educação se destacam dos demais. Trata-se das discussões acerca das TICs como recurso pedagógico transformador e conscientizador em situações de pobreza e injustiça social. Os estudos em questão refletem sobre TICs a partir de um ponto de vista que poderia ser qualificado como alternativo e participativo, pois partem de uma metodologia em que a população faz uso direto de sua produção.

Numa segunda síntese, seus usuários são narradores de sua própria história apontando na direção de um novo material educativo que estimularia a formação de sujeitos politicamente participativos e conscientes de sua condição de vida. Neste sentido, a distância entre criação e autonomia seria tênue, trazendo à luz a possibilidade de uso destes suportes para dentro das instituições educativas convidando-nos a apropriarmo-nos de um potencial pouco investigado.

No nosso ponto de vista uma discussão que inova, pois enfoca o processo de produção e não o produto; uma reflexão que propõe uma comunicação horizontal das mídias. Neste sentido, eles se filiam a uma perspectiva que valoriza a articulação interdisciplinar da comunicação, ou seja, uma educação associada à política, seguindo de perto as discussões de Jesús Martín-Barbero (1997).

Com uma certa dose de cuidado, poderíamos afirmar também que o tema Mídias vem se consolidando, sobretudo nas instituições universitárias da Região Sul do país.

Como síntese conclusiva, valeria lamentar a ausência de uma série de reflexões que poderiam em muito a ajudar a compreender a interface Jovem e mídias. Ainda que muito do que foi escrito, de fato, acrescente sobre o universo em questão, pois trata-se de um material de pesquisa amplo sobretudo no que se refere à familiaridade que os jovens desenvolvem com as novas técnicas sociais de integração e socialização, temos muito que investigar.

Por exemplo, até 2006, nenhum estudo se debruçou sobre as políticas públicas de implantação das mídias nas escolas como, por exemplo, educom.radio; nenhuma reflexão sobre as comunidades Orkuts, plataforma mais utilizada, no Brasil, pelo segmento jovem; nenhum trabalho sobre a recepção pelos alunos das mídias impressas, como a revista Nova Escola, Veja, Carta Capital no interior dos estabelecimentos escolares, nenhuma investigação sobre a introdução dos softwares-livres, iniciativa necessária para a democratização do acesso ao universo virtual; pouca análise acerca dos processos educativos à distância; nada relativo aos usos inesperados e ou emergentes da cibercultura, como por exemplo a mobilização política juvenil a partir desta nova ágora. Ou seja, pesquisas que poderiam apontar para os usos imponderáveis que expressam a riqueza da dinâmica das forças sociais das sociedades imersas na cultura midiática. Estes são apenas alguns poucos eixos de investigação que estão por vir.

Posto isso, partindo desse levantamento, valeria investigar com mais cuidado as contribuições já conquistadas pela interface em construção, afim de não repetir a fragilidade existente, e avançar na busca da consolidação ainda não alcançada.

Muito Obrigada.

domingo, 29 de maio de 2011

O papel da educação na efetivação de práticas responsáveis de consumo, de Renata Pistelli

Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação

Área temática: Sociologia da educação

Aluna: Renata de Salles Santos Pistelli

Orientador: Prof. Dr. Celso de Rui Beisiegel

Projeto de Pesquisa

O papel da educação na efetivação de práticas responsáveis de consumo

Projeto de pesquisa para Mestrado, a ser analisado pelos alunos da disciplina Projetos de Pesquisa: Leituras Sobre Métodos e Técnicas na Sociologia da Educação

São Paulo

Maio de 2011


1. Resumo

O presente projeto de pesquisa se propõem a identificar as práticas educativas existentes em grupos de consumidores organizados, integrantes do movimento de economia solidária, e analisar a influência dessas práticas no exercício do consumo responsável por parte dos envolvidos.

O cooperativismo de consumo surgiu como uma das primeiras manifestações dos trabalhadores contra a exploração que sofriam por parte dos empregadores e serviu como alternativa para o abastecimento de pessoas em todo o mundo, até cair em decadência com o desenvolvimento dos modelos de distribuição de massa (capital comercial) na metade do século XX. Nessa mesma época, ocorre o surgimento da publicidade como mecanismo de apoio à venda da produção excedente, o que representa um fator importante no processo de mudança dos hábitos de consumo na sociedade contemporânea.

Desde a década de 1970, os impactos ambientais e sociais causados pelos padrões contemporâneos de produção e consumo vêm sendo reconhecidos por parte da sociedade, como demonstram os autores do livro The Limits to Growth (MEADOWS, 1972), onde aprofundam no debate sobre crescimento e sustentabilidade. Indo ao encontro dessas preocupações, experiências de educação para o consumo responsável e de organização coletiva do consumo têm sido desenvolvidas no Brasil desde a década de 1990. Nesse sentido, o presente estudo apresenta como problema o entendimento da relação entre processos educativos e mudança de práticas de consumo, visando a transformação social.

Palavras-chave: consumo, economia solidária, educação, transformação social

  1. Introdução

O presente projeto de pesquisa apresenta como proposta identificar as práticas educativas existentes em grupos de consumidores organizados, integrantes do movimento de economia solidária, e analisar a influência dessas práticas no exercício do consumo responsável por parte dos envolvidos.

Existem referências em diversos momentos da história sobre a formação de organizações para aquisição de bens e serviços de forma coletiva. Para o presente projeto, interessa relacioná-las com a origem das experiências cooperativistas na Europa, no início do Século XIX, inspiradas pelas idéias dos socialistas utópicos, como Robert Owen e Charles Fourier e dos socialistas libertários, como Pierre Joseph Proudhon. De acordo com esses autores, o trabalho é a fonte de toda a riqueza e os trabalhadores deveriam se organizar em comunidades baseadas na cooperação mútua e não na competição, onde todos seriam ao mesmo tempo produtores e consumidores do resultado do trabalho comum. Nessa concepção, o cooperativismo seria então um meio de transformação ampla da ordem socioeconômica.

Para Paul Singer, a grande propagação das cooperativas de consumo se deu por serem uma alternativa concreta à tripla exploração que os trabalhadores estavam submetidos pelo capital, enquanto empregador, agiota e fornecedor. Segundo o autor:

Antes da generalização do vapor, as fábricas se localizavam (...) muitas vezes afastadas de qualquer centro urbano. Nestas condições, os empregadores alugavam moradias aos trabalhadores e montavam armazéns para abastecê-los. Estes armazéns eram monopólios e poucos patrões resistiam à tentação de explorar seus empregados, vendendo−lhes artigos, algumas vezes adulterados, a preços muito altos. Além disso, os trabalhadores precisavam comprar fiado, quando o dinheiro acabava antes do próximo pagamento. (SINGER, 1999).

Neste contexto, surgiu na Inglaterra, a “mãe de todas as cooperativas” (SINGER, 2002, p. 39), a Sociedade dos Equitativos Pioneiros de Rochdale. O objetivo principal da sociedade era melhorar as condições sociais de seus membros e sua meta mais ampla era a formação de uma colônia auto-suficiente. Para isso, seu primeiro projeto foi abrir um armazém cooperativo de consumo (HOLYOAKE, 1933). Essa sociedade deixou como maior legado ao movimento cooperativista o conjunto de oito regras formuladas pelos Pioneiros de Rochdale, consagrado posteriormente como os princípios básicos do cooperativismo. Destaca-se entre as oito regras a preocupação com a Educação, princípio que determinava a importância da cooperativa promover não somente a educação de seus membros, mas também do público em geral, nos princípios do cooperativismo[1].

O cooperativismo de consumo surge então como uma possibilidade de oposição da classe operária ao capitalismo industrial. Apresentou grande crescimento durante o início do século XIX e o início do século XX, até entrar em declínio, praticamente no mundo inteiro, após a segunda guerra mundial (SINGER, 2002, p.54). O principal motivo dessa decadência foi a impossibilidade de competir com o grande capital comercial que passava a ser ao mesmo tempo atacadista e varejista, tornando-se imbatível em preço e qualidade. Nesse sentido, a dinâmica de distribuição e comercialização de produtos, principalmente alimentos, foi profundamente transformada com o surgimento do novo modelo de distribuição comercial chamado de “distribuição moderna”, compreendendo os supermercados, hipermercados e lojas de conveniência (Montagut, 2007). Essa transformação afetou os hábitos de consumo, modificando as características dos locais de compra, os produtos oferecidos e a forma de produção. O modelo de consumo baseado na compra de produtos locais e sazonais, foi substituído pelo “consumo de alimentos 'deslocalizados', 'tecnificados' e industrializados”, obedecendo a lógica de vender o produto ao menor preço, às custas da precarização do trabalho, da mercantilização da agricultura, etc (Montagut, 2007).

Para Singer, a massificação dos consumidores é um pressuposto desse modelo de distribuição. As vantagens que ele oferece se dirigem a um público homogeneizado, cujas preferências são pautadas pela publicidade nos meios de comunicação de massa. Porém, aponta que o consumidor não está preocupado somente com o preço, quando analisa que “Sempre existem demandas por outro tipo de atendimento, em que o consumidor é cidadão, tem direito a ser ouvido e a participar das decisões que o afetam. São estas as demandas que a economia solidaria atende melhor que o varejo capitalista(SINGER, 2002).

Para o desenvolvimento das análises propostas pelo presente projeto será necessário avançar no entendimento sobre como os processos de transformação dos modelos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços no século XX afetaram as relações sociais. Para isso serão estudadas as obras de Paul Singer, Ricardo Antunes e Eric Hobsbawm. Para complementar o estudo, serão analisadas as obras de Celso Furtado, Zigmund Bauman e Marshal Berman, e estudos mais recentes como o livro organizado por Xavier Montagut que discute os impactos das grandes redes de distribuição no mundo.

Tendo como influência as idéias cooperativistas observadas desde o inicio do século XIX, a Economia Solidária surgiu no Brasil na década de 80. A importante crise econômica da época se agravou na década seguinte com a adoção das políticas neoliberais e a abertura dos mercados. Nesse contexto, surgem diversas experiências de Economia Solidária que têm como característica principal a prática da autogestão. Nas palavras de Paul Singer (2000, p.13):

A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e o uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadoria) com o princípio da socialização destes meios (do capitalismo).

As experiências da Economia Solidária, também chamadas de empreendimentos, são cooperativas, associações, ou outras formas de organização coletiva em que os integrantes praticam os princípios do cooperativismo no exercício da atividade econômica, seja esta de produção, distribuição ou consumo. De acordo com Paul Singer, a economia solidária é uma “criação em processo contínuo”, que já apresenta resultados históricos, dentre eles as conquistas dos “assalariados que se associam para adquirir em conjunto bens e serviços de consumo, visando ganhos de escala e melhor qualidade de vida” (2000, p.15-16).

Para examinar a temática da Economia Solidária serão utilizadas as obras de Paul Singer, como Introdução à economia solidária, Economia solidária no Brasil e Uma utopia militante. Repensando o Socialismo. Também serão analisadas as contribuições de Luis Inácio Gaiger, Lia Tiriba, José Luis Coraggio e as elaborações feitas pelas instituições que atuam no âmbito da economia solidária, como a Capina e a ITCP-USP.

A partir da década de 90, o debate do cooperativismo de consumo foi retomado no marco da economia solidária, através do surgimento de experiências com o objetivo de organizar coletivamente o consumo, observando os princípios da cooperação e solidariedade. Apresentam características semelhantes às experiências anteriores de cooperativismo de consumo[2] principalmente no sentido de contrapor o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo. Nessa direção, além de assumir um caráter de político e de crítica social, essas organizações agregam preocupações de outras naturezas, como a questão ecológica (relacionadas aos impactos ambientais dos padrões de produção e consumo de massa) e de saúde (relacionadas ao direito ao consumo de alimentos livres de aditivos químicos, agrotóxicos, organismos geneticamente modificados, etc). As motivações para a criação de tais experiências tendem a estar relacionadas com a demanda dos consumidores por acesso a produtos solidários e ecológicos, através do estabelecimento de uma relação de compra e venda direta (ou a mais direta possível) e transparente com os produtores e produtoras organizados. Assim, destacam-se dois pontos principais: a demanda pelo produto em si, e a demanda por construir e fazer parte de uma forma diferenciada de relação comercial (Kairós, 2009)[3].

A formação destes empreendimentos de consumo tende a acontecer a partir do encontro de pessoas que compartilham de tais preocupações e enxergam na organização do consumo uma possibilidade de intervenção (Kairós, 2009). Essa dinâmica pode pressupor um processo anterior por parte dos envolvidos, de reflexão a respeito do ato de consumo: qual o seu significado? Quais as consequências que desencadeia no ambiente e na sociedade? Qual a relação entre consumo e desigualdade social? Qual a real possibilidade de escolha dos consumidores?

Nesse sentido, o presente projeto apresenta como problema a relação entre a educação e a mudança das práticas de consumo, visando a transformação social. Para Paulo Freire, a conscientização dos indivíduos é um processo fundamental para a prática da liberdade: “a educação deve ajudar o homem brasileiro a inserir-se criticamente no processo histórico e libertando-se (sic!) pela conscientização da síndrome do ter e da escravidão do consumismo” (FREIRE, apud COELHO, 2002, p.17).

A prática educativa também pode ser observada na gestão dos empreendimentos solidários. De acordo com Singer, “a Economia Solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe uma nova prática social e um entendimento novo dessa prática” (2005, p.19). [4]Dessa maneira, pretende-se analisar como as práticas educativas presentes na dinâmica dos empreendimentos de consumo influenciam na efetiva transformação dos hábitos de consumo. Uma das características mais fortes dos empreendimentos de consumo é a relação de aprendizado que se constrói entre os sujeitos – agricultores, consumidores e intermediários – envolvidos na atividade econômica que desempenham coletivamente. Essa aproximação de diferentes realidades sociais e culturais proporciona uma ampliação do repertório desses sujeitos.

A fim de examinar a temática da educação transformadora e sua relação com as práticas educativas na Economia Solidária, serão utilizadas principalmente as obras de Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido, Educação como prática da liberdade, Educação e Mudança e Cartas a Guiné-bissau: Registros de uma experiência em processo. Para complementar a análise serão estudadas as contribuições de Celso de Rui Beisiegel, Kátia Aguiar e Carlos Rodrigues Brandão. Pretende-se ainda considerar as elaborações realizadas por instituições que trabalham com a temática da educação para o consumo responsável, como o CAEPS e o Instituto Kairós.

A partir da problemática apresentada acerca das transformações das relações de produção e consumo na sociedade, da economia solidária como proposta, que traz a perspectiva da organização coletiva do consumo, e da concepção de educação transformadora exposta, pergunta-se: os processos educativos não formais presentes na dinâmica dos empreendimentos da economia solidária influenciam a adoção de novos comportamentos de consumo? Quais as características desses processos educativos? Qual percepção que os sujeitos envolvidos nos empreendimentos de consumo coletivo – produtores, consumidores, comerciantes - têm sobre as relações de consumo? Qual o aprendizado proporcionado pela relação entre os sujeitos no exercício da autogestão?

Nessa direção, o presente projeto assume como hipóteses de pesquisa os seguintes elementos:

a) As ações educativas contextualizadas em um ambiente que proporcione o reconhecimento pelos consumidores dos sujeitos envolvidos nas diferentes etapas da cadeia comercial (da produção ao consumo), e que possibilite acesso a informação sobre o processo de produção e as características dos produtos, podem contribuir para o exercício de práticas diferenciadas de consumo pelos envolvidos.

b) As ações educativas contextualizadas em um ambiente que proporcione o acesso (compra) a produtos com características de qualidade nutricional, agroecológicas e solidárias podem contribuir para o exercício de práticas diferenciadas de consumo por parte dos envolvidos.

c) O reconhecimento, por parte dos consumidores, da problemática do consumo e o exercício de práticas diferenciadas podem contribuir para mudanças sociais, tais como:

· a reorganização das dinâmicas presentes na cadeia comercial de forma a reduzir a intermediação e levar a um reajustamento dos valores praticados (pagos pelos consumidores e recebidos pelos agricultores);

· o acesso a produtos com características nutricionais elevadas, agroecológicos e solidários por parte dos consumidores das diferentes classes sociais (não elitização do consumo destes produtos); e a ampliação da produção de base familiar e cooperativista e a consequente ampliação do rendimento das famílias envolvidas.

3. Justificativa

A cultura do consumo, forte característica da sociedade contemporânea, atingiu o seu ápice nas últimas décadas. Nunca se consumiu tanto e de forma tão desequilibrada com a capacidade de suporte e regeneração dos recursos naturais, ou ainda, com a busca por justiça social nas relações de trabalho e distribuição de riquezas.

O Relatório “Estado do Mundo-2010”, de autoria do Worldwatch Institute (WWI)[5], alerta que em 2006, pessoas no mundo todo gastaram US$ 30,5 trilhões em bens e serviços, incluindo itens de subsistência, como alimentação e moradia, entre outros bens de consumo, como televisões, carros, computadores e viagens de avião. Apenas em 2008, foram comprados 68 milhões de veículos, 85 milhões de geladeiras, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones móveis (celulares). Estes números retratam um aumento no consumo mundial em seis vezes em relação aos US$4,9 trilhões gastos em 1960. O autor lembra que “parte desse aumento é resultante do crescimento populacional, mas o número de seres humanos cresceu apenas a uma razão de 2,2 entre 1960 e 2006. Sendo assim, os gastos com consumo por pessoa praticamente triplicaram”. Por certo que o aumento no consumo global reflete avanços para a vida e para o conforto sociais, porém, é possível verificar que isso acontece de forma ambientalmente impactante e socialmente desigual.

O aumento do consumo significa maior extração de recursos naturais do planeta. Nota-se que, “entre 1950 e 2005, por exemplo, a produção de metais cresceu seis vezes, a de petróleo, oito, e o consumo de gás natural, 14 vezes. No total, 60 bilhões de toneladas de recursos são hoje extraídas anualmente – cerca de 50% a mais do que há apenas 30 anos. Hoje, o europeu médio usa 43 quilos de recursos diariamente, e o americano médio, 88 quilos. (…) A exploração desses recursos para a manutenção de níveis de consumo cada vez mais altos vem exercendo pressão crescente sobre os sistemas da Terra “ (WWI, Estado do Mundo, p. 4).

Os padrões de consumo atuais além de excessivos, são também desiguais. Em 2006, os 65 países de renda mais alta representaram 78% dos gastos de consumo e representam apenas 16% da população mundial. O Estudo mostra que, considerando apenas os Estados Unidos, houve um gasto de US$ 9,7 trilhões em consumo naquele ano – cerca de US$32.400 por pessoa, o que representa 32% dos gastos globais feitos por apenas 5% da população mundial. Enquanto isso, milhões de pessoas em diversos países não têm acesso a serviços e bens elementares para sua sobrevivência.

A mudança dos padrões de consumo tem forte relação com elementos culturais. Na sociedade contemporânea, consumir deixa de ser apenas um ato importante para suprir as necessidades mais elementares dos indivíduos para converter-se em rituais de compras, sobretudo de artigos supérfluos, ou seja, aqueles que vão além do necessário, tendendo a tornarem-se inúteis por excesso[6]. Ainda segundo o Relatório Estado do Mundo-2010:

O elemento mais intenso de estímulo a essa mudança cultural foram, ao que parece, os interesses comerciais. Em diversas frentes, os negócios encontraram caminhos para induzir mais pessoas a consumir. O crédito, por exemplo, foi flexibilizado com pagamento em prestações, e o cartão de crédito foi bastante estimulado nos Estados Unidos, o que acarretou um aumento de quase 11 vezes do crédito do consumidor entre 1945 e 1960. Os produtos passaram a ser projetados para ter menor duração ou para sair de moda logo (estratégias denominadas, respectivamente, obsolescência física e psicológica). E os trabalhadores passaram a ser incentivados a aceitar aumento de remuneração em vez de privilegiar mais tempo livre, para assim elevar sua renda. Talvez a maior ferramenta comercial para atiçar o consumo seja o marketing. (ASSADOURIAN, p. 11)

Estes dados tendem a apontar para a insustentabilidade socioambiental como resultado dos atuais padrões de produção e consumo. Neste sentido, diversos são os atores sociais que acreditam na importância de repensar este atual modelo visando transformá-lo, na perspectiva de buscar um maior equilíbrio.

Tendo o consumo alcançado um status de tamanha relevância na sociedade atual, considera-se importante trazer à discussão o papel da educação na abordagem desta temática. A grande maioria das pessoas que figuram como consumidores (ou desejam fazê-lo, mesmo sem dispor de recursos financeiros para isso) pouco conhecem sobre os produtos ofertados no mercado ou sobre a cadeia produtiva, que se inicia na produção agrícola ou na extração de recursos naturais e chega às mãos dos consumidores na gôndola do supermercado, ou em outros espaços de consumo. Muitos são os acontecimentos ao longo da cadeia produtiva, passíveis de gerar diversos questionamentos, os quais, na maioria dos casos, ficam sem respostas: Qual a origem da matéria-prima? Como se dá o processo produtivo? Onde é fabricado? Sob que condições laborais? Qual a relação da empresa com seus funcionários e fornecedores? Quanto do preço final é direcionado ao agricultor?

Conhecer a realidade das relações de produção, comercialização e consumo é fundamental para buscar as transformações necessárias em direção à efetivação de práticas mais responsáveis e sustentáveis. Para isso, é importante que o tema consumo seja abordado nos processos educativos, formais e não formais, de maneira a contribuir para a reflexão acerca dessa temática e promover o acesso à informação crítica e de qualidade, indo além dos conteúdos comunicados pela publicidade e meios de comunicação. Existem atualmente importantes referências, no Brasil e no mundo, de experiências com o tema consumo em educação, algumas delas serão mencionadas a seguir.

No âmbito da educação formal, a abordagem do tema “consumo” tem como marco no Brasil os Parâmetros Curriculares Nacionais sobre Trabalho e Consumo. Os pressupostos desse documento são: “em todo produto ou serviço consumido existe trabalho social; este trabalho é realizado segundo determinadas relações de trabalho que não são naturais e sim construídas historicamente, sendo, portanto, passíveis de crítica, intervenção e transformação” (1998, p. 339). A proposta de trazer esta discussão para dentro da escola tem como intenção promover a reflexão acerca dos mecanismos presentes nas dinâmicas de trabalho e consumo, na relação entre a produção de desejos e dos produtos para satisfazê-los. Sendo assim, “Conhecer e discutir as formas de realização e organização do trabalho e do consumo, compreendendo suas relações, dependências, interações, os direitos vinculados, as contradições e os valores a eles associados, subsidiará a compreensão da própria realidade (...)” (MEC/SEF, 1998, p. 343).

As relações de trabalho e consumo acontecem em uma sociedade que não é de iguais e, portanto, também carregam elementos que refletem as desigualdades sociais. Pode-se dizer que consumir não é um ato neutro: “significa participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo, tornando-se um momento em que os conflitos, originados pela desigual participação na estrutura produtiva, ganham continuidade por meio da distribuição e apropriação de bens e serviços” (MEC/SEF, 1998, p. 343).

Organizações no Brasil e no mundo vêm trabalhando para a construção, viabilização e apoio a práticas diferenciadas dos indivíduos frente às relações de consumo, na lógica do chamado “consumo responsável”. Diferentes terminologias são adotadas para definir esse comportamento: consumo ético, consciente, crítico ou ainda, solidário. Optou-se por utilizar no presente texto o termo “responsável”, o qual sugere a realização das escolhas de consumo de maneira consciente, considerando as consequências sociais e ambientais que acarretam (BORGES, 2005). Consumir com responsabilidade significa problematizar os atuais padrões de produção e consumo e orientar suas escolhas a partir dessa reflexão. Dessa forma, entende-se que no momento em que o consumidor compra determinados produtos ou serviços, realiza um ato de apoio àquela empresa ou instituição responsável pelo processo produtivo, pela “história” que existe atrás de tais produtos ou serviços. Sendo assim, de acordo com as características presentes ao longo da cadeia produtiva – mão de obra utilizada, origem da matéria prima, transformação, relações de compra e venda, etc – o consumidor pode apoiar processos que contribuem para a manutenção dos padrões de produção e consumo hegemônicos ou, por outro lado, apoiar e fortalecer processos produtivos construídos sob a lógica da cooperação e solidariedade.

Algumas organizações que atuam com esta temática no Brasil, desenvolveram importantes materiais de cunho educativo visando dar subsídio aos educadores no trabalho com a educação para o consumo responsável. Para o desenvolvimento dessa pesquisa, serão analisadas as contribuições do Instituto Kairós e do IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor.

A proposta do Instituto Kairós para a abordagem da educação para o consumo responsável tem forte influência na educação popular, a qual é traduzida na proposta pedagógica desenvolvida – “Enxergar, refletir e intervir” (BORGES, 2005). Essa proposta busca traçar um movimento circular em que a informação, a reflexão e a intervenção são alimentadas em processo contínuo de construção do conhecimento.

É importante pontuar a necessidade de avançar nas pesquisas em relação a esta temática, principalmente no sentido de aprofundar a reflexão crítica sobre as abordagens de consumo responsável, visando qualificar o debate acerca das relações de consumo na sociedade contemporânea. Constata-se também que grande parte dos materiais elaborados no tocante às posturas diferenciadas de consumo contribuíram no desenvolvimento de conteúdos que visam sensibilizar e conscientizar as pessoas acerca dos impactos do consumo na sociedade. Porém, considera-se necessário avançar na produção de conhecimento que tenha como objetivo aprofundar a percepção acerca da relação entre os processos educativos e a efetivação de novas práticas, indo além da reflexão ideológica.

É preciso considerar como fato inspirador da presente pesquisa o trabalho que realizei na coordenação de projetos do Instituto Kairós, organização da qual sou sócia-fundadora. Atuo desde 2000 com a educação para o consumo responsável, desenvolvendo ações no âmbito da educação formal – atuando, por exemplo, na formação de professores - e na educação não formal - atuando na formação de trabalhadores, técnicos e gestores públicos envolvidos com a economia solidária e a agricultura familiar.

O primeiro projeto desenvolvido pelo Instituto Kairós foi o chamado “Consumo Responsável e Qualidade de Vida”, em 2000, onde atuei como educadora. O trabalho consistia em realizar a formação de professores e professoras da Rede Pública de São Paulo no tema Consumo, abordando a proposta da transversalidade. Esta experiência durou aproximadamente dois anos e foi bastante importante no sentido de possibilitar um aprendizado em relação à sensibilização de educadores para um tema que, além de ser um conteúdo pedagógico a ser trabalhado em sala de aula, está presente em suas vidas, em suas rotinas de consumidores, pais e mães de família, etc.

Em seguida, entre 2002 e 2003, tive a oportunidade de trabalhar em uma cooperativa de economia solidária na Espanha, chamada Ideas del Mundo, na área de educação para o consumo responsável e comércio justo, onde atuei na elaboração de material educativo e na realização de oficinas educativas junto a alunos de escolas públicas e particulares, e também como vendedora de produtos de comércio justo na loja da cooperativa. Esta experiência me trouxe uma perspectiva bastante diversa pois as ações realizadas pela cooperativa Ideas tem como proposta apoiar o desenvolvimento dos países do Sul, ou seja, atuam na temática da economia solidária em uma perspectiva de cooperação internacional.

Gostaria de ressaltar que um momento de grande importância em minha trajetória foi a elaboração do material pedagógico “Entender para Intervir – por uma educação para o consumo responsável e o comércio justo”. Esse material foi construído a partir da proposta de intercâmbio metodológico promovida pelo Convênio de Cooperação Internacional Franco-brasileiro estabelecido entre a ABONG – Associação Brasileira de Ong’s, e, a Coordination SUD, que permitiu ao Kairós e a Artisans du Monde[7], trocarem experiências em educação para o consumo responsável e comércio justo respectivamente, diante da proposta final de formular uma metodologia comum que viesse potencializar os efeitos e os resultados de ambas. Este processo de intercâmbio iniciado em 2003 e finalizado em 2005, organizou-se a partir de inúmeras reuniões no contexto de cinco encontros entre os membros das duas entidades. Esta publicação representa, portanto, o fim de uma etapa inicial de aprendizado comum e construção coletiva, e, o início de uma nova etapa, de aplicação, difusão e multiplicação desta proposta no contexto do ensino formal francês e brasileiro.

O trabalho na Espanha e a participação no convênio acima citado, nos possibilitou conhecer a proposta da economia solidária e os diversos sujeitos que compõem esse movimento no Brasil e no mundo. Esse contato foi bastante importante para trazer à proposta pedagógica em construção pelo Instituto Kairós, entre diversos outros elementos, o reconhecimento da possibilidade de intervenção do consumidor na cadeia produtiva de forma coletiva, através das cooperativas de consumo ou organizações de consumo coletivo.

Dando continuidade aos trabalhos e buscando o amadurecimento do tema, em 2008, através de uma parceria com a Secretaria do Desenvolvimento Territorial, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Kairós iniciou o desenvolvimento de um projeto que visa a promoção do debate e de estratégias de consumo responsável e comercialização solidária junto ao público da agricultura familiar em diferentes estados do Brasil. Por fim, considera-se relevante ainda ressaltar que, em 2010, visando reconhecer e tornar acessível informações sobre os coletivos de consumidores, considerados como estratégia de consumo e comercialização solidária, o Instituto Kairós lançou os resultados do estudo sobre o perfil dos grupos de consumo no Brasil, onde identificamos 17 experiências de consumo organizado que se reconhecem nos princípios da economia solidária.

Foi possível verificar que a opção das pessoas em participar de experiências de consumo responsável e coletivo acontece muitas vezes a partir de concepções ideológicas. Porém, a efetiva adoção de novos hábitos de consumo a partir da noção de responsabilidade, é um processo permanente, que coloca os sujeitos em constante choque com o modelo de consumo convencional. Acredita-se que o exercício do consumo responsável pressupõe a percepção dessa atividade econômica não como um fim em si mesma, mas como um instrumento de transformação social, e é essa percepção que determinadas práticas educativas presentes na dinâmica das experiências coletivas se propõem a fortalecer.

4. Objetivos

A presente pesquisa tem como objetivo identificar as práticas educativas existentes em grupos de consumidores organizados, integrantes do movimento de economia solidária, e analisar a influência dessas práticas no exercício do consumo responsável por parte dos envolvidos.

Para alcançar tal objetivo pretende-se:

- reconhecer as práticas educativas desenvolvidas pelas experiências de consumo coletivo em diferentes momentos de sua organização: na tomada de consciência das pessoas envolvidas; na opção pela ação coletiva; e nas dinâmicas presentes no exercício da gestão coletiva; e

- analisar a influência dessas práticas na efetivação de hábitos responsáveis de consumo.

5. Plano de trabalho

O Plano de Trabalho da presente pesquisa é composto, resumidamente, das seguintes atividades:

- Realizar amplo levantamento bibliográfico e documental através dos meios tecnológicos disponíveis, com vistas a mapear as referências básicas e essenciais sobre o tema do projeto.

- Fazer a revisão bibliográfica, ou seja, a leitura analítica das fontes bibliográficas e documentais levantadas;

- Sistematizar e organizar as informações levantadas;

- Definir o coletivo de consumo a ser estudado na pesquisa qualitativa;

- Preparar e realizar a visita a campo, a observação e as entrevistas (estudo de caso);

- Analisar os dados coletados a partir do estudo de caso;

- Relacionar os dados oriundos da pesquisa qualitativa com aqueles levantados a partir da análise bibliográfica.


6. Cronograma de execução

Atividades/ Meses

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Levantamento bibliográfico

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Revisão bibliográfica e sistematização

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Estudo de caso - preparação

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Elaboração de Relatório científico anual

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Redação da dissertação

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Estudo de caso – observação e entrevistas

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Sistematização e análise dos dados coletados

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Exame de qualificação

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Defesa da Dissertação

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6. Material e métodos

O desenvolvimento da presente pesquisa contará com a utilização de fontes bibliográficas e empíricas. Em um primeiro momento será realizada a análise bibliográfica dos temas relacionados, através de um levantamento bibliográfico e documental sobre o cooperativismo de consumo, a Economia Solidária, o processo histórico de transformação das relações de produção e consumo e a educação como prática impulsionadora da transformação social. Logo após, será feita a revisão bibliográfica e a sistematização dos documentos selecionados.

Para o levantamento de dados primários, está prevista a realização de um Estudo de Caso com uma experiência de consumo coletivo, no âmbito da economia solidária. A escolha do caso a ser analisado terá como universo a pesquisa realizada pelo Instituto Kairós em 2010, o “Levantamento do Perfil dos Grupos de Consumo no Brasil”, onde foram mapeados 17 coletivos de consumo no país. Será considerado o potencial de representatividade do coletivo em relação às demais experiências de consumo organizado existentes no Brasil, assim como o seu envolvimento com o movimento da economia solidária. Também será levado em consideração o tempo de existência do grupo, da prática da gestão coletiva, para que as possíveis influências das práticas educativas possam ser percebidas na dinâmica dos envolvidos e das relações construídas. Para o desenvolvimento da pesquisa empírica pretende-se realizar a aplicação de questionários com um número significativo de consumidores (em torno de 5) e gestores do grupo (em torno de 3). Depois disso, será avaliada a necessidade e a pertinência da realização de entrevistas aprofundadas com consumidores (1 ou 2) e gestores do coletivo (1 ou 2), para avançar em percepções que não teriam sido captadas pelas informações obtidas através dos questionários.

  1. Forma de análise dos resultados

O desenvolvimento do estudo de caso será central para perceber como determinados elementos em curso na dinâmica da experiência escolhida apontam para a relação entre os processos educativos e a adoção de práticas responsáveis de consumo por parte dos sujeitos. A análise do caso deverá acontecer em diferentes níveis, de forma a abarcar percepções além da experiência em si.

Os resultados obtidos a partir do estudo de caso serão analisados à luz das contribuições teóricas estudadas visando verificar a presença de elementos que indiquem a influência dos processos educativos na efetivação das práticas responsáveis de consumo, desenvolvidas coletivamente sob os princípios da economia solidária.

8. Referências bibliográficas

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[1]
As demais regras formuladas por Rochdale são: um voto por cooperado; portas abertas; vendas à vista; juros fixos e distribuição das sobras em proporção às compras; neutralidade de opinião religiosa ou política; e produtos puros.

[2]

No Brasil, o cooperativismo de consumo teve início no final do século XIX e, seguindo a tendência mundial, entrou em decadência a partir de 1960, devido ao crescimento do capital comercial e ao surgimento de restrições de caráter legal e tributário (Fleury, 1987; Pinho, 2004).

[3]

Diante da necessidade e interesse em (re)conhecer e compreender a dinâmica dessas experiências, o Instituto Kairós realizou o “Levantamento do Perfil dos Grupos de Consumo no Brasil”, onde realizou o mapeamento de grupos de consumo no país e buscou identificar características principais de atuação destes coletivos.

[4] A prática social a que se refere é a autogestão, ou seja, a gestão democrática dos empreendimentos, que é feita pelos próprios cooperados, que são, ao mesmo tempo, patrões e empregados, inexistindo, dessa forma, a relação de subordinação.

[5] Este documento traz informações sobre mudanças na cultura do consumo, sob a ótica da economia, negócios, educação e mídia. É editado há 28 anos, em cerca de 30 idiomas, e é publicado no Brasil desde 1999 pela Universidade Livre da Mata Atlântica (UMA), representante do WWI no país.

[6] É importante ressaltar que a distinção entre “necessário” e “supérfluo” é bastante subjetiva, de forma que é fundamental avançar nesta reflexão ao debater o tema do consumo.

[7] Cooperativa Francesa de Comércio Justo