quarta-feira, 4 de maio de 2011

Projeto - Educação Física na Educação do Campo: possibilidades de um currículo multicultural numa escola de assentamento

Título: Educação Física na Educação do Campo: possibilidades de um currículo multicultural numa escola de assentamento.

Jorge Eto

Resumo:

O problema de pesquisa se configura no seguinte: como será a construção do currículo multicultural em uma escola de assentamento que hibridize as práticas da cultura corporal comuns no campo e na cidade no âmbito da Educação Física? O objetivo da pesquisa será investigar os processos de construção do currículo na Educação Física na escola do campo Vitor Valendolf no município de Vera-MT localizada no assentamento Califórnia no estado do Mato Grosso, sob a ótica do multiculturalismo. Observa-se que a relevância do estudo se apresenta pelo grande número de famílias assentadas na região Centro Oeste e pelos escassos trabalhos realizados no âmbito do currículo em escolas de assentamento em específico no componente Educação Física. A metodologia será a pesquisa ação, pois possibilitará ao pesquisador a imersão nas relações sociais da população pesquisada para a análise dos conflitos culturais no meio escolar.

Palavras Chaves: Currículo, Cultura, Educação Física

Introdução:

O estudo sobre educação do campo possui desvelada importância no sentido de construir possibilidades educacionais que primem pelas condições culturais diferenciadas dos educandos. A pesquisa versará sobre os currículos das escolas do campo em assentamento, especificamente, no âmbito da Educação Física, sendo a implementação do currículo multicultural o foco das analises. .

A cultura, multiculturalismo e o currículo em Educação Física em escolas de assentamento são elementos constitutivos da pesquisa que tentará investigar os processos de construção e desenvolvimento do currículo na Educação Física na escola do campo. A metodologia será a pesquisa ação e para tanto a imersão do pesquisador no universo pesquisado como participante e agente será fator determinante para a efetividade do estudo.

Os Movimentos Sociais e a Luta pela Terra no Brasil

A luta pela posse da terra no Brasil data da época do país colônia e reporta-se aos dias de hoje por meio das características reconfiguradas através dos tempos, principalmente no que tange aos interesses de classes, aspectos presentes nos conflitos pela terra.

Prado Jr. (1981) afirma a inexistência de traços feudais na organização do campo brasileiro, pois o país se estruturou pelo trabalho assalariado e anteriormente pelo escravagismo. O mesmo autor continua defendendo que no Brasil inexistiu a figura do camponês pequeno produtor, pois as grandes dimensões de terra ligadas às tendências mercadológicas das monoculturas de grande valor comercial predominaram sobre as pequenas propriedades.

Os conflitos são fatos marcantes na história do campo brasileiro. Almeida e Paulino (2000) evidenciaram que a luta envolvendo milícias privadas e forças institucionais se deram e ainda se dão no conflito pela terra e exemplifica a comunidade do Quilombo dos Palmares como maior movimento de luta pela posse coletiva da terra. No mesmo caminho o autor afirma que outras revoltas pós abolição da escravatura entre imigrantes e latifundiários eclodiram nesse período.

Em 1945 e com fins de fortalecer o campesinato e a luta pela reforma agrária nasceram as “Ligas Camponesas” fortalecidas no fim do Governo Vargas e aglutinadas com a denominação de ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil), com a composição de movimentos de 13 estados brasileiros. (MEDEIROS, 1989, p.55)

A igreja católica nos anos de 1960 passou a ser a entidade importante no contexto da reforma agrária, sendo defensora pública do reconhecimento dos movimentos relacionados à divisão igualitária da terra pelas instâncias governamentais.

No domínio dos militares pós-golpe de 1964, a repreensão aos movimentos ligados ao proletariado da terra foram rechaçados, sendo cassados seus direitos de reunião, manifestação e questionamentos, mesmo existindo os sindicatos passaram a ser controlados pelo Estado.

A mecanização do campo, movimento iniciado na década de 1930 com a industrialização brasileira e potencializado com o crescimento da economia na década de 1960 durante o governo militar, fez com que a exclusão comercial dos pequenos agricultores ficasse cada vez mais evidente, pois essa categoria não possuía condições de prover suas produções com a tecnologia suficiente para competir no mercado com os grandes produtores. Na esteira desses acontecimentos cresceu o número de expropriações de pequenos produtores de terra pós 1960, sendo um dos fatores que demonstraram a dificuldade de adaptação dos mesmos à lógica capitalista empresarial que a produção agrária brasileira assumiu.

Os movimentos sociais gerados pela luta da democratização do acesso à posse da terra ressurgem com o fim do período ditatorial e o início da abertura política, sendo o principal, o Movimento Sem Terra (MST), sobre o qual Almeida e Paulino (2000, p. 125) se posicionam:

O MST eclode num momento de abertura política na ordem autoritária e repressora, juntamente com outros movimentos sociais (feministas, raciais, barragens, ecológicos, sem teto) que são gestados a partir da década de 1970 e que trazem uma nova compreensão de sociedade. Diferem dos antecessores por apregoarem uma concepção de sociedade pautada na importância do controle decisório, na diminuição do autoritarismo, seja ele do Estado, do partido, ou da Igreja.

Nos primeiros momentos do MST, a premissa era a luta pela obtenção da terra para os que não a tinham, tentando levar a cabo esse fim pela via legal da distribuição da terra do latifúndio improdutivo, desencadeando assim os assentamentos. Contudo, as experiências empreendidas demonstraram que não bastava a ocupação da terra, seria necessário o provimento das condições para a produção dos assentados. Uma das saídas pensadas pelo MST em 1991 foi a organização produtiva pela via das cooperativas dos assentados, sendo essa ação denominada “Sistema de Cooperativismo de Assentamentos” - SCA. (GÖRGEN e STÉDILE, 1991).

No tocante à diferenciação entre assentado e sem terra Grzybowski (1990, p. 56-7) define que:

Sem-terra é, por definição, um nome de sujeito coletivo elaborado nas lutas do Movimento Sem-terra. A carência, ou melhor, a consciência da comum situação de carência e de exclusão social, decorrente do não ter terra, leva o grupo a elaborar a sua identidade.

Nesse contexto, o assentado é aquele que após passar por todas as lutas coletivas pela terra com o Estado conseguiu seu objetivo e com isso passa a ter a posse da terra concedida pelo Estado, porém apesar do nome, o MST age tanto no âmbito dos “Sem Terra” como dos “Assentados” como poder político em ambas as esferas.

No atual contexto, o MST adquiriu corpo composto por representações de todos os estados do território brasileiro e caminhou para o reconhecimento de sua força nos âmbitos partidários e dos setores públicos ligados à agricultura no Brasil.

Educação No Campo

A educação no campo assumiu características similares no Brasil às escolas situadas nas zonas urbanas dos municípios. Segundo Henrique et. al. (2007) o campo é encarado como lugar de atraso, secundário e provisório e as políticas públicas de educação do Estado brasileiro são pensadas para suprir as demandas das cidades, geralmente instaladas nas áreas urbanas, essas políticas têm se baseado em conceitos pedagógicos que colocam a educação do campo prioritariamente a serviço do desenvolvimento urbano-industrial.

Ribeiro (2000) afirma que toda a política para a educação no campo tem-se restringido a oferecer um arremedo da escola urbana. Nascimento (2003) complementa que mesmo as escolas que ainda se encontram no meio rural apresentam uma pedagogia escolar voltada a identificar a cidade como algo superior.

Segundo Fernandes (2005, p. 03):

As expressões Educação na Reforma Agrária e Educação do Campo nasceram simultaneamente, são distintas e se complementam. A Educação na Reforma Agrária refere-se às políticas educacionais voltadas para o desenvolvimento dos assentamentos rurais. Neste sentido, a Educação na Reforma Agrária é parte da Educação do Campo, compreendida como um processo em construção que contempla em sua lógica a política que pensa a Educação como parte essencial para o desenvolvimento do Campo.

Compreende-se que um dos locais da educação do campo são os assentamentos, pois esses se constituem de comunidades que efetivamente residem no campo e desenvolvem seus potenciais produtivos na terra conseguida pela via da reforma agrária.

Em relação à educação no campo a LDB 9394/1996, no seu artigo 28, preconizou:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Mesmo a LDB 9394/1996 referindo-se em situação diferenciada para a oferta da escola do campo, fica óbvio que o distanciamento entre as possibilidades de uma educação que preserve o campo como local diferenciado da zona urbana com características culturais peculiares são ações de instituições escolares isoladas, haja vista a continuidade da luta dos movimentos sociais nesse sentido. Weschenfelder (2001, p.13) afirma que:

A luta pelo direito a uma educação que respeite a cultura e a identidade do campo vem sendo reivindicada por inúmeros grupos de camponeses em diversos locais onde a educação popular acontece. A mobilização justifica a afirmativa de que, nos últimos anos, os movimentos sociais, com apoio de diversas instituições, estão recolocando o rural e a educação que a ele se vincula na agenda política do país.

Em 2001 o Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) trouxe em seus textos “tratamento diferenciado para a escola rural”, porém a manutenção das características das escolas urbanas perdurou, sendo a organização da escola em séries, a extinção progressiva das escolas unidocentes, o pleno acesso ao transporte escolar características da urbanização.

Segundo Arroyo e Fernandes (1999), a escola do campo tem uma especificidade que é inerente à histórica luta de resistência camponesa com valores singulares que contradizem aos valores burgueses. A defesa de uma escola que discuta os valores intrínsecos ao campo demonstra o apego à cultura dos camponeses, por conseguinte, evidencia também que esses valores serão considerados somente mediante luta e conquista de poder no interior do currículo escolar.

CULTURA

A cultura segundo Cuche (2002) é termo advindo do latim do século XIII que descrevia o cuidado com o campo e com o gado. Somente no século XVI remete-se a cultura como uma ação e não como o anteriormente concebido, um estado de coisas, ou seja, a concepção transita do sentido de coisa cultivada, o estado, para o ato de cultivar, a ação. No século XVIII o termo cultura quase sempre era seguido de um complemento: cultura das artes, cultura das letras, cultura das ciências, porém progressivamente o termo libera-se de seus complementos e designa a formação e a educação. Ainda no século XVIII a cultura já se apresenta no singular, refletindo o universalismo da palavra, pois a mesma servia para todos, independente das diferenças dos povos ou das classes sociais.

Na França a cultura com as idéias de progresso, de evolução, da razão, aspectos centrais do iluminismo, se aproxima do campo semântico da terminologia “civilização”, pois ambas possuiam e representavam as mesmas concepções.

Na Alemanha também no século XVIII aparece uma palavra sinonímia do termo cultura, “kultur” que propunha a crítica dos recém universitários ao modo de vida da corte alemã, pois essa valorizava e tentava copiar a maneira “civilizada” da corte francesa em detrimento das próprias artes e da literatura do país. Kultur para os alemães era o conjunto de conquistas artísticas, intelectuais e morais que unem uma nação. As concepções de cultura francesa e alemã do século XVIII e XIX são vertentes básicas para a definição de cultura, sendo que a primeira promove uma visão universalista e a outra particularista de cultura.

Nos séculos XIX e XX várias concepções de cultura desenvolveram estudos coligadas a vertente antropológica na tentativa de explicar a conformação cultural da sociedade, ora compreendia-se a cultura como construção histórica, ora como elemento que inferia nos processos de organização social. As correntes culturais na ótica antropológica foram as seguintes: a evolucionista, a difusionista, a configuracionista, a funcionalista e a estruturalista. (MELLO, 2008)

Na década de 1960 os Estudos Culturais emergem de forma organizada através da criação do Centre for Comtemporary Cultural Studies. Richard Hoggart inspirado na sua pesquisa “A Utilização da Cultura” fundou em 1964 o centro vinculado a Universidade de Birgmingham. Os focos dos estudos seriam: as relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, ou seja, as formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como as suas relações com a sociedade. (ESCOTEGUY ET. AL., 2006)

Para os Estudos Culturais as culturas atuais são hibridas, pois a emergência da sociedade globalizada conferiu uma formação societária proveniente do cruzamento cultural, nesse aspecto os estudos culturais compactuam com o ideário de hibridismo de Bhabha (1997). Para o autor o hibridismo não é a simples apropriação ou adaptação; é um processo através do qual se demanda das culturas uma revisão de seus próprios sistemas de referência, pelo distanciamento de suas regras habituais ou inerentes a transformação. O ato de negociar com o diferente demonstra uma insuficiência dos nossos próprios sistemas de significação. Para o hibridismo as dissonâncias a serem atravessadas, apesar das relações de proximidade, as disjunções de poder ou oposição a serem contestadas, os valores éticos e estéticos a serem traduzidos são elementos que não permanecerão os mesmos no processo de transferência.

A evolução dos meios de comunicação, principalmente, dos tecnológicos propiciaram novas conformações dentro da estrutura da sociedade, evidenciando a expansão e inserção da cultura global dominante em todos os lugares do mundo e, contraditoriamente, a cultura local também se mostra reflexiva e corpo no mundo globalizado. Como exemplo se vê atualmente aspectos culturais como culinária, música, entre outros presentes e formando um hibridismo no modo de pensar e agir no cotidiano da sociedade. Neste novo contexto social-global no qual o “sistema nervoso” é dominado pela virtualidade que movimenta sociedades com estágios de desenvolvimento e modos de vidas distintos sofre-se conflitos e impactos do ponto de vista cultural quanto ao sentido que as pessoas dão à vida, sobre suas aspirações para o futuro — sobre a “cultura” num sentido mais local gerando uma mudança social do ponto de vista cultural. (HALL,1997)

Para Hall (2003) a cultura não pode mais ser estudada de maneira secundária ou dependente em relação ao que faz o mundo mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo, determinando tanto a forma como o caráter deste movimento, bem como a sua vida interior.

Nos Estudos Culturais a cultura é um campo de produção de significados, situados em posições distintas de poder que lutam pela imposição de seus significados a sociedade mais ampla. Destacam o papel central desempenhado pela cultura também nas transformações da vida local e cotidiana, insistindo que as lutas pelo poder tendem a se desenrolar no campo simbólico e discursivo, ou seja, no campo da cultura. Tais lutas derivam da divergência de interesses entre grupos, de impor seus significados aos demais. Ou seja, na esfera cultural travam-se disputas em torno do processo de significação do mundo social. A cultura é, em resumo, um espaço no qual, em meio a relações de poder, são produzidos significados e diferenças. (HALL, 2006).

A cultura, portanto é um campo de luta pelas representações, nos quais diferentes grupos culturais situados em posições antagônicas confrontam-se em busca das imposições de seus significados, portanto a cultura imbrica-se com as relações de poder existentes a partir do contato entre uma ou mais culturas.

PÓS-MODERNISMO E PÓS-COLONIALISMO E MULTICULTURALISMO

O neoliberalismo, proposta adotada pela maioria dos paises do mundo na reconfiguração da economia mundial após a década de 1960, tendo como ideário as obras de Friedman e Hayek, preconizou a minimização do Estado no contexto de suas obrigações no tocante aos direitos públicos da população e maximização da iniciativa privada. Também é fato o fortalecimento dos sistemas de controle e regulação nas áreas sociais, tais como: na educação e na saúde.

A hegemonia do neoliberalismo tem como ponto de partida a decadência do capitalismo keynesiano que indicava a política do “pleno emprego” e do fortalecimento dos sindicatos. Após 1960 essas políticas apresentaram sinais de decadência e conseqüente inconsistência nas relações de compra e venda, sustentáculos do capitalismo. O principal sinal dessa crise foi a “estagflação” que segundo Melo Neto e Santos (2005) significa a estagnação econômica acrescida da inflação acelerada.

Os princípios neoliberais de competitividade e seletividade apregoaram que a dificuldade de inserção dos indivíduos nos processos sociais era devido às próprias incapacidades dos sujeitos vencerem e conseguirem permanecer no grupo dos pertencentes à dinâmica social. Para aqueles que não conseguiram êxito, restava compor o grupo dos excluídos.

Na esteira do neoliberalismo movimentos intelectuais contra hegemônicos emergem, dentre eles, o pós-modernismo e o pós colonialismo. O pós-modernismo corrente ideológica questionadora dos valores inerentes ao modernismo e dos ideários apregoados desde o iluminismo, sendo eles: a razão, a ciência e o progresso. Também coloca em jogo o saberes totalizantes que tentam explicar os fenômenos do universo a partir de regras gerais, pois as generalizações científicas universais para os pós-modernistas estão sempre a mercê das forças dominantes e nelas se inserem os princípios de submissão e controle daqueles que dominam as potencialidades da ciência em direção aos menos favorecidos desses preceitos.

Com a razão e o progresso os modernistas acreditavam que se avançaria para tal estágio de desenvolvimento social que todos poderiam desfrutar dos benefícios causados. Contraditoriamente, para os pós-modernistas esses fatores acentuaram ainda mais as divisões sociais, consubstanciando processos capitalistas de exploração, individualização e aculturação.

No pós-colonialismo a reprodução das relações coloniais da idade média, historicamente ultrapassadas na maior parte do mundo, são reproduzidas com outra roupagem, sendo que o colonizador confere ao “outro” colonizado status de diferente, exótico e digno de fascínio. No colonialismo a relação cultural entre colonizador e colonizado baseia-se na cultura ocidental como referência de algo superior e melhor que as culturas dos outros lugares do mundo.

O movimento pós-colonial retifica o processo de dominação cultural, pois apesar de haver uma tentativa de imposição cultural eurocêntrica os movimentos das minorias são representativos e no contato de colonizadores e colonizados promove-se um entrecruzamento de culturas, em que dominantes e dominados sofrem modificações em suas estruturas.

Sob a égide dos movimentos pós-modernista e pós-colonialista Mclaren (1997) concebe quatro tipos de multiculturalismo, são eles: crítico, conservador, o humanista liberal e o liberal de esquerda. Para o autor o multiculturalismo conservador pretende constituir uma cultura comum, através da desligitimização das línguas estrangeiras e dos dialetos étnicos e regionais em detrimento da língua oficial da cultura dominante, o inglês. A cultura comum é fim a ser atingido através da descaracterização das outras culturas ditas como menores e desprovidas de qualquer saber que seja importante.

No multiculturalismo humanista liberal existe uma igualdade natural entre as pessoas das diferentes etnias, sendo assim é possível uma competição em condições iguais entre pessoas diferentes na sociedade capitalista, comumente observam-se esses preceitos nas comunidades anglo-americanas. As diferenças para os humanistas liberais são constituídas biologicamente e as mesmas não interferem na igualdade intelectual das raças, portanto negros, índios e brancos, nesse contexto, possuem as mesmas condições de acesso aos bens sociais.

O multiculturalismo liberal de esquerda essencializa as diferenças culturais e ignora a construção histórica cultural dos grupos, com isso as relações de poder que tangem a significação e compõem a formação cultural não são consideradas por esse grupo.

O multiculturalismo pós crítico se recusa ver a cultura como não conflitiva, harmoniosa e consensual. A democracia para os críticos é tensa, compreendida como campo de luta pelas significações e a noção de diferença é produto da história, do conflito e do poder pela representação pelo significado e pelo significante. Os críticos consideram que a língua e o pensamento ocidental são construídos por oposições binárias, branco/ preto, bom /ruim, normal/perturbado, sendo que o primeiro é privilegiado e a norma cultural em relação ao segundo, com isso cria-se uma hierarquia cultural dependente.

Objeto/Problema:

A pesquisa do currículo em Educação Física em escolas do campo possibilitará compreender como o mesmo é construído nessa comunidade que apresenta características diferenciadas em relação às realidades urbanas.

Na especificidade da Educação Física brasileira, a representatividade do alinhamento do currículo às demandas do capitalismo foi discutida exaustivamente por Castellani Filho (1998) ao evidenciar os modelos de Educação Física com fins de saúde tratados por “paradigmático de aptidão física” e voltados para o esporte como “esportivista”, sendo ambos afeitos à influência do modelo político-econômico do país.

Na década de 1980, após o governo militar, as possibilidades de restituição de práticas sociais democráticas ficaram factíveis e com isso estudiosos da Educação Física passaram a criticar os modelos curriculares baseados no esporte e na aptidão física, o que permitiu vislumbrar propostas com outros vieses, porém as premissas do modelo de formação esportiva ou baseados nos pressupostos da saúde ressurgem na proposta neoliberal na organização curricular da Educação Física, atendendo à lógica da tecnocracia e da instrumentalidade solicitadas pela sociedade de consumo.

Os estudos sobre currículo na educação, tendo como a base teórica a construção do mesmo na perspectiva multicultural trazem consigo a premissa de (re)formação da cultura de homens/mulheres, contestando currículos monoculturais, tendo como referência o homem, branco, católico, heterossexual e afirmando práticas educativas em que possam, os grupos oprimidos, adquirir voz e vez no âmbito da escola.

Os estudos sobre o currículo da Educação do Campo, bem como o currículo de outras escolas, buscam respostas para as seguintes perguntas: quais as práticas educativas são construídas no interior da escola? Por que essas práticas são preteridas ou preferidas em relação a outras? Como ensinar nas escolas do campo? À luz das questões em evidência denota-se a perspectiva do currículo multicultural como possibilidade de resposta para esses questionamentos. Canen e Oliveira (2002, p.62) ao tratar do currículo afirmam que:

Apresenta de um lado, a necessidade de promovermos a eqüidade educacional, valorizando as culturas dos alunos e colaborando para a superação do fracasso escolar. Por outro, a quebra de preconceitos contra aqueles percebidos como “diferentes”, de modo que se formem futuras gerações nos valores de respeito e apreciação à pluralidade cultural, e de desafio a discursos preconceituosos que constroem as diferenças.

O currículo multicultural na perspectiva pós-crítica, denominado assim porque os aspectos que são discutidos ultrapassam as relações de classes e das desigualdades sociais e avançam no sentido da etnia, do gênero, da raça e das diferenças/identidades como elementos importantes de serem evidenciados e nesse âmbito, torna-se espaço de luta e poder. Segundo Moreira (2001, p.17) “O currículo é visto como território em que ocorrem disputas culturais, em que se travam lutas entre diferentes significados do indivíduo, do mundo e da sociedade, no processo de formação de identidades”.

A teorização curricular no Brasil já possui um espaço consolidado tanto em qualidade como em quantidade, porém estudos que versam sobre o currículo na Educação Física e especificamente em Escolas do Campo são escassos. Observa-se que na base de dados Scielo Brasil apresenta-se dois estudos com a temática escola rural e trezentos e setenta e três que discutem a educação ou a escola do campo, sendo que nenhum trata da questão do currículo de Educação Física em escolas do campo. A Revista Brasileira de Educação não publicou nenhum estudo que discuta a Educação Física em escolas do campo. Portanto, fazem-se necessárias incursões nessa temática que permitam desvelar a realidade da Educação Física na educação do campo e promovam possibilidades de uma proposta de currículo multicultural no âmbito desse componente.

O problema de pesquisa situa-se no seguinte questionamento: como será a construção do currículo multicultural em uma escola de assentamento que hibridize as práticas da cultura corporal comuns no campo e na cidade no âmbito da Educação Física? Quais as inferências possíveis na construção do currículo na ótica multicultural?

Justificativa:

Os estudos com comunidades de assentamento no âmbito da educação são possibilidades que se situam em analisar as condições de vida dos participantes na sua dinâmica social no contexto diferenciado da urbanidade. Ressalta-se nesses estudos as minorias que se agrupam geograficamente para a preservação de alguns elementos culturais de suas origens.

As comunidades do campo em específico os assentamentos na região centro oeste são numericamente expressivas, pois foram assentadas 111.865 famílias de 1988 até 1993 (DATALUTA, 2003). O número expressivo de pessoas que compõem essa esfera demonstram que o estudo dessas comunidades mostram-se relevantes.

A relação da pesquisa com o pesquisador ocorre pelo fato do mesmo participar em 2005 e 2006 de projeto de extensão no referido assentamento, o qual buscava atender as demandas existentes nas áreas da Educação Física, Odontologia, Psicologia, Pedagogia e Fisioterapia e o que chamou atenção era o currículo no âmbito da Educação Física ser construído pela vertente do esporte de rendimento descolado de qualquer tematização que se vislumbra a cultura do campo ou pelo menos que a hibridizasse.

Na escola do campo o objetivo é proporcionar aos camponeses acesso a educação no local onde a comunidade esta inserida. Nessa vertente o estudo sobre a educação do campo auxiliará a futuras incursões no processo de construção e implementação dos currículos multiculturais no componente curricular Educação Física em escolas de assentamentos.

Objetivos:

Geral:

· Investigar os processos de construção e desenvolvimento do currículo na Educação Física na escola do campo Vitor Valendolf no município de Vera-MT localizada no assentamento Califórnia no estado do Mato Grosso, sob a ótica do currículo multicultural.

Específicos:

· Analisar a hibridização existente entre a cultura urbana e a cultura do campo em relação à constituição do currículo da Educação Física na escola investigada.

· Desvelar os símbolos e signos referentes à cultura corporal socializados pelo currículo de Educação Física na escola investigada através da tematização e da desconstrução dos mesmos.

· Identificar quais as tensões, lutas culturais e relações de poder que determinam a construção e desenvolvimento do currículo da Educação Física na escola investigada.

Plano de Trabalho e Cronograma de Execução

2011:

1º semestre

Cumprimento dos créditos

Aprofundamento teórico

2º semestre

Finalização dos créditos

Aprofundamento teórico

2012:

1º semestre

Início da coleta de dados

Construção do 1º capítulo

2º semestre

Finalização da coleta de dados

Construção do 2º capítulo

2013:

1º semestre

Análise e discussão dos dados

2º semestre

Qualificação

Reorganização do Trabalho

2014:

1º semestre

Defesa Final da Tese

Material e Métodos:

A pesquisa ação consistirá em verificar na escola do assentamento Vitor Valendolf no assentamento Califórnia do município de Vera no estado do Mato Grosso as relações de construção do currículo da Educação Física com a participação do pesquisador. O critério de seleção da escola Vitor Valendolf foi que dentre os assentamentos da região norte do Mato Grosso é a única municipal que mantém escola, pois o restante encaminha os alunos para as escolas urbanas nos municípios próximos, sendo que a referida escola atende 87 alunos da educação infantil até o 4º ano do ensino fundamental.

Para Barbier (2007) a pesquisa ação é uma forma de pesquisa realizada pelos técnicos a partir de sua prática, tendo em vista a emancipação do grupo auto organizando-se contra hábitos irracionais e burocráticos de coerção. Para tanto o autor define sete aspectos fundamentais que caracteriza a pesquisa ação: o problema nasce na comunidade que define, analisa e o resolve, a meta da pesquisa é a transformação radical da realidade social e a melhoria da vida dos envolvidos, exige a participação plena da comunidade envolvida, a pesquisa envolve um leque de marginalizados destituídos das formas de poder, a pesquisa poderá gerar um desenvolvimento endógeno da comunidade, a pesquisa ação é tratada como um método mais científico do que a pesquisa tradicional, já que a participação da comunidade permite uma análise mais precisa dos fatos, o pesquisador é um participante enganjado.

No tocante a pesquisa se utilizará os passos propostos por Barbier (2007), identificação do problema e contratualização junto a comunidade pesquisada, o planejamento das ações, mediante a escuta, estudo e atividades compartilhadas com a comunidade do campo de pesquisa, teorização, avaliação e publicação dos resultados.

Forma de Análise dos Resultados

Os instrumentos de coleta de dados se constituirão em observação participante, entrevistas, fotos, materiais gravados. Objetiva-se que o pesquisador tenha um grau de interação com a realidade e com pretensão de mudá-la. O que deve ser observado é o transcorrer do cotidiano do local e as possíveis mudanças no âmbito da Educação Física que traga benesses a escola e a comunidade no geral.

No caso de pesquisa ação as categorias de análise serão construídas no transcorrer da pesquisa, porém partirá dos seguintes conceitos: cultura, multiculturalismo, currículo. Portanto os dados coletados analisados à luz da teoria discorrida mostrarão as transformações ocorridas na Educação Física e consequentemente na formação dos sujeitos.

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