segunda-feira, 30 de maio de 2011

Palestra: A materialidade da Cultura Midiática (UFSC)

Universidade Federal de Santa Catarina

Dia 27 de maio de 2011

Maria da Graça Jacintho Setton

Professora de Sociologia

Faculdade de Educação - USP

A materialidade da Cultura Midiática

Primeiramente, gostaria de agradecer ao convite do Prof. Silvio Serafim da Luz Filho e demonstrar meu contentamento sincero em estar aqui partilhando com colegas uma troca de experiências de investigação acerca da cultura das mídias na atualidade.

Estou convencida de que essas oportunidades expressam formas de intercâmbio acadêmico invejável, publicizamos nossas reflexões e investigações.

Tentando responder às inquietações que estimularam a organização desse evento e o título dessa palestra, trago aqui duas maneiras de se pensar a materialidade da cultura midiática no mundo moderno a partir de um ponto de vista da Sociologia da Educação.

A primeira delas se refere à materialidade da produção acadêmica acerca desse tema e a segunda se refere à materialidade do uso ou das formas de recepção da cultura midiática vivida e experienciada pelos jovens brasileiros nos últimos anos.

Trata-se ainda de um desdobramento de questionamentos realizados em meu livro Educação e Mídia, recém publicado, pela Editora Contexto.

Além disso, o que trago hoje para discussão é fruto de um esforço grandioso realizado no interior da Faculdade de Educação da USP, no qual tive o privilégio de participar. Trata-se de um levantamento sistemático no banco de teses da Capes, nos anos de 1999 a 2006, acerca das investigações produzidas em todos os programas de pós graduação, no Brasil, na área da Educação, Ciências Sociais e Serviço Social, no campo da sociologia da juventude, coordenado pela Profa Marilia Sposito.

Embora esse exercício tenha sido feito a partir de vários temas, trago hoje, para essa ocasião, apenas o tópico Jovens, Mídias e TICs.

Assim, ao ser convidada a desenvolver uma reflexão sobre a materialidade da cultura das mídias, tenho o contentamento de agora partilhar com vocês parte dos principais resultados desse estudo.

Ainda que se saiba sobre os limites de mapeamentos dessa natureza, penso que conseguimos registrar uma síntese produtiva do tipo de reflexão que estimula nossos pesquisadores bem como as referências teóricas e metodológicas que fazem uso para realizarem suas pesquisas.

Grosso modo é possível afirmar que as discussões relativas às interfaces entre Jovens e mídias nas áreas da Educação, Ciências Sociais e Serviço Social estão ainda em fase de consolidação. Embora um grupo de estudiosos venha se debruçando sobre esta articulação de temas, falta-nos um corpo de pesquisas teóricas e empíricas com expressividade e visibilidade acadêmica nacional.

Vale salientar, contudo, que com relação ao estado de conhecimento anterior referente ao período de 1984-1998 observamos um crescimento expressivo de trabalhos nesse tema.

Se nos quatorze anos anteriores o tema Juventude e mídia tinha apresentando apenas treze trabalhos, o intervalo atual de sete anos registra o número de expressivo 74 dissertações e teses.

A área da Educação é majoritária apresentando-nos 61 trabalhos, seguida de longe pelas Ciências Sociais com treze estudos (quatro na área da Antropologia e nove na Sociologia). A área de Serviço Social registrou apenas uma dissertação de mestrado. Ao todo foram escritos 64 mestrados e dez doutorados. Dada a concentração de Programas de Pós-Graduação nas Regiões Sudeste e Sul, é esperado que ambas se destaquem com uma produção significativa. As outras regiões brasileiras embora registrem interesse pelo tema ainda não apresentam uma produção expressiva sendo que a Região Norte nada produziu neste período acerca da articulação Juventude e mídias.

Assim, primeiramente, gostaria de ressaltar que o número de estudos lidos nas diferentes áreas já é um dado que consideramos ser interessante. A questão das mídias e sua presença na vida do jovem não parece ser um tema prioritário na agenda das áreas das Ciências Sociais e do Serviço Social. Ao todo apenas treze estudos que pouco agregam em termos teóricos, mas que avançam em termos de qualidade analítica no que se refere aos estudos sobre blogs e hackers a partir de uma etnografia virtual.

No que se refere às reflexões das CS destinadas às velhas mídias como a TV, cinema e propaganda, os argumentos apresentados na maioria dos trabalhos destas áreas, ainda que não venham acrescentar ao muito do que já foi escrito sobre o assunto, têm o notável cuidado de problematizar a mediação entre produção e recepção das mensagens a partir do referencial teórico dos Estudos Culturais, sem abandonar, no entanto, as críticas relativas ao poder ideológico da linguagem televisiva. Neste sentido, acompanhando o debate atual a área da CS está alinhada a uma perspectiva de análise de observar a tensão existente entre uma cultura hegemônica expressa pelas mídias e suas diversas apropriações, usos e materializações.

Por contraste, é possível observar, que a temática Juventude e mídias vêem aos poucos assumindo um volume expressivo nas discussões da área da Educação. Um número não desprezível de trabalhos, em um espaço de sete anos responde, sem dúvida, a uma inquietação acadêmica legítima desta área. Contudo, a qualidade reflexiva realizada ainda é frágil demandando um maior adensamento teórico bem como um refinamento nas análises do material empírico coletado.

É interessante ressaltar, que a polêmica há muito conhecida sobre o caráter manipulador das mensagens e bens simbólicos divulgados pelas mídias continua sendo a grande tônica dos trabalhos na área da Educação. Alertamos para a dificuldade evidente de muitos trabalhos em usar de maneira cuidadosa as contribuições da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Poucos são os estudos na área da Educação que são estimulados a pensar a relação, emissor e receptor, a partir de uma metodologia relacional, enfatizando o caráter dialógico e dialético das trocas comunicativas via circulação midiática. Poucos são aqueles que se apropriaram dos ensinamentos de Morin de “seguir a cultura de massa, no seu perpétuo movimento da técnica à alma humana da alma humana à técnica,

É possível salientar ainda que na grande maioria dos trabalhos lidos, independente da área do conhecimento, depreende-se um certo tom moralista e missionário de parte dos pesquisadores. Os adolescentes ou jovens bem como o mundo adulto devem ser alertado para os riscos de uma socialização pelas mídias. A capacidade de gestão dos processos criativos de um sujeito receptor é pouco desenvolvida, dando-se ênfase no caráter, se não manipulador, pelo menos, determinante da cultura das mídias no universo jovem.

Neste sentido, aconselho uma postura que consiga desenvolver novos olhares sobre as diferentes possibilidades de materialização, usos dos recursos e conteúdos disponibilizados pela cultura midiática. Ainda que muitos dos trabalhos tenham levantado informações importantes, vale alertar que a profundidade das análises, sempre deixada para os capítulos finais, não cumpre as expectativas anunciadas no início. É como se o fôlego, o tempo de escrita ou o tempo de amadurecimento das reflexões dos autores fossem reduzidos dada a complexidade das articulações necessárias para este eixo de investigação.

Mas, sem dúvida nenhuma, no que se refere aos sub temas Novas Mídias, e Imagens e Representações sobre Juventude, as áreas das Ciências Sociais e Educação se aproximam em termos de leitura teórica e metodológica. Em ambas as áreas, ainda que o número de pesquisas seja muito diferente, observamos que a ênfase é mostrar o potencial criativo e emancipador das TICs.

A velha polêmica sobre o caráter profano, vulgar e alienante da TV desprovido de potencialidades educativas nobres, desaparece quase totalmente quando se discute o computador e seu novo universo de realizações. O computador e a Internet surgem como instrumentos de trabalho, suportes educativos com um poder ainda pouco conhecido, mas carregado de uma aura ilusória e por vezes mágica.

Somado a isso podem ser vistos como espaço emancipador na medida em que seu uso seja controlado continuamente por um projeto pedagógico claro; a Internet é compreendida ainda como um espaço de autonomia e reflexividade já que provoca estímulos e motivação criativa nos jovens; em síntese, considera-se o computador como um instrumento quase indispensável para a produção e transmissão do saber contemporâneo.

Como primeira síntese, de certa forma, poderíamos afirmar que existe uma polarização entre o caráter positivo das novas mídias e o caráter negativo das velhas mídias em ambas as áreas do conhecimento (Ciências Sociais e Educação). No nosso entender, leituras pouco produtivas para o campo acadêmico. Falta-nos, portanto, um olhar mais equilibrado que seja capaz de observar as reais condições de possibilidades e propósitos de utilização destes recursos culturais ou suportes materiais nos vários segmentos sociais ou seja, certa dificuldade de problematizar a materialidade dos usos.

Por fim, ainda que timidamente pelo número de trabalhos e resultado das análises, podemos afirmar que três estudos na área da Educação se destacam dos demais. Trata-se das discussões acerca das TICs como recurso pedagógico transformador e conscientizador em situações de pobreza e injustiça social. Os estudos em questão refletem sobre TICs a partir de um ponto de vista que poderia ser qualificado como alternativo e participativo, pois partem de uma metodologia em que a população faz uso direto de sua produção.

Numa segunda síntese, seus usuários são narradores de sua própria história apontando na direção de um novo material educativo que estimularia a formação de sujeitos politicamente participativos e conscientes de sua condição de vida. Neste sentido, a distância entre criação e autonomia seria tênue, trazendo à luz a possibilidade de uso destes suportes para dentro das instituições educativas convidando-nos a apropriarmo-nos de um potencial pouco investigado.

No nosso ponto de vista uma discussão que inova, pois enfoca o processo de produção e não o produto; uma reflexão que propõe uma comunicação horizontal das mídias. Neste sentido, eles se filiam a uma perspectiva que valoriza a articulação interdisciplinar da comunicação, ou seja, uma educação associada à política, seguindo de perto as discussões de Jesús Martín-Barbero (1997).

Com uma certa dose de cuidado, poderíamos afirmar também que o tema Mídias vem se consolidando, sobretudo nas instituições universitárias da Região Sul do país.

Como síntese conclusiva, valeria lamentar a ausência de uma série de reflexões que poderiam em muito a ajudar a compreender a interface Jovem e mídias. Ainda que muito do que foi escrito, de fato, acrescente sobre o universo em questão, pois trata-se de um material de pesquisa amplo sobretudo no que se refere à familiaridade que os jovens desenvolvem com as novas técnicas sociais de integração e socialização, temos muito que investigar.

Por exemplo, até 2006, nenhum estudo se debruçou sobre as políticas públicas de implantação das mídias nas escolas como, por exemplo, educom.radio; nenhuma reflexão sobre as comunidades Orkuts, plataforma mais utilizada, no Brasil, pelo segmento jovem; nenhum trabalho sobre a recepção pelos alunos das mídias impressas, como a revista Nova Escola, Veja, Carta Capital no interior dos estabelecimentos escolares, nenhuma investigação sobre a introdução dos softwares-livres, iniciativa necessária para a democratização do acesso ao universo virtual; pouca análise acerca dos processos educativos à distância; nada relativo aos usos inesperados e ou emergentes da cibercultura, como por exemplo a mobilização política juvenil a partir desta nova ágora. Ou seja, pesquisas que poderiam apontar para os usos imponderáveis que expressam a riqueza da dinâmica das forças sociais das sociedades imersas na cultura midiática. Estes são apenas alguns poucos eixos de investigação que estão por vir.

Posto isso, partindo desse levantamento, valeria investigar com mais cuidado as contribuições já conquistadas pela interface em construção, afim de não repetir a fragilidade existente, e avançar na busca da consolidação ainda não alcançada.

Muito Obrigada.

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