quarta-feira, 4 de maio de 2011

Levantamento e análise dos debates realizados na Assembléia Provincial de São Paulo quando da elaboração da Lei 09/1874

Eugênia Netto de Andrade e Silva Sahd





PROJETO DE PESQUISA - DISSERTAÇÃO DE MESTRADO




TEMA PROPOSTO: Levantamento e análise dos debates realizados na Assembléia Provincial de São Paulo quando da elaboração da Lei 09/1874, que instituiu o ensino primário obrigatório na província.





Projeto de pesquisa a ser analisado na Disciplina Projetos de Pesquisa: Leituras Sobre Métodos e Técnicas na Sociologia da Educação, Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton.







São Paulo

2011

  1. TEMA PROPOSTO


Levantamento e análise dos debates realizados na Assembléia Provincial de São Paulo quando da elaboração da Lei 09/1874, que instituiu o ensino primário obrigatório na província.



  1. RESUMO


Esta dissertação de mestrado visa o estudo Lei nº 09/1874 que estabeleceu o ensino primário obrigatório na Província de São Paulo, além de tornar o ensino da religião católica, nas escolas públicas, obrigatório somente para os filhos dos pais que seguissem a mesma e procurava criar, na capital, uma Escola Normal. Este trabalho, justamente, terá como objeto de reflexão os debates feitos, sessão a sessão, pelos deputados, desde a apresentação do projeto em 1870 até a sua sanção em 1874, demonstrando as divergências existentes entre eles e o processo de síntese final elaborada pelo conjunto, quando da criação da dita reforma do ensino.



Palavras chaves: Império, educação, lei nº 09/1874, debates, deputados provinciais, obrigatoriedade de ensino, ensino religioso, Escola Normal.


  1. INTRODUÇÃO


Com a independência, em 1822, o poder político do Brasil passou diretamente das mãos do monarca lusitano, D. João VI, ao seu filho, D. Pedro. Este se viu, imediatamente, controlado pela elite brasileira, fazendo com que Caio Prado Jr. definisse a independência como “fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 53). Esta situação “explica a sobrevivência das estruturas tradicionais de produção e das formas de controle político caracterizadas pela manipulação do poder local pelos grandes proprietários e a marginalização e apatia da maioria da população” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 58). Há, portanto, uma contradição no processo de independência brasileira: por um lado, o país rompe o vínculo de subordinação colonial, por outro, mantém preservadas as relações de dominação interna, ou seja, “liberal, o movimento rompeu com a dominação colonial; mas foi extremamente conservador, mantendo a escravidão e a dominação do senhoriato. E foi nacional, por criar a "nação", fabricação ideológica do senhoriato para manter sua rígida dominação social e política” (MOTA; NOVAIS, 1986, p. 6).

Dando continuidade à emancipação política do país, é organizada uma Assembléia Constituinte (1823) que refletiu, justamente, através do ante-projeto de Constituição apresentado, a força dos grandes proprietários rurais e seus aliados, pois, ao mesmo tempo que nele constavam os princípios liberais vigentes nas Constituições européias, adotando as idéias de liberdade econômica e soberania nacional, tal projeto excluía a participação política das camadas inferiores, determinando o voto censitário e a necessidade de comprovação de bens para efetivação de uma candidatura ao Parlamento. Para tais constituintes era necessária a valorização do Poder Legislativo, com representantes advindos da elite rural, limitando-se a atuação do monarca (LOPES; MOTA, 2008, p. 381). No entanto, D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte e impôs uma Constituição ao país. A nova Carta Magna manteve alguns dos princípios liberais defendidos no ante-projeto descrito, mas inovou na criação de um 4º Poder (Poder Moderador) que deu ao monarca competências mais amplos, tais como a possibilidade de dissolver a própria Câmara dos Deputados. A Constituição Imperial de 1824 definiu o Brasil como um Estado unitário e centralizado. As províncias eram simples unidades administrativas onde funcionavam os Conselhos Gerais que tinham por finalidade, tão somente, apresentarem projetos à Assembléia Geral. Tais conselhos tinham característica exclusiva de órgãos consultivos. Competia aos Conselhos provinciais: “propôr, discutir, e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas Provincias; formando projectos peculiares, e accommodados ás suas localidades, e urgencias”#. Em relação à educação, a Constituição outorgada de 1824 abandonou a idéia do estabelecimento de um sistema nacional de educação pública, assunto discutido na Assembléia Constituinte de 1823 (RIBEIRO, 2003, p. 45), afirmando, simplesmente, em seu artigo 179, XXXII, que a instrução primária pública gratuita era direito de todos os cidadãos.

Em 1827, a Lei Geral do Ensino foi aprovada. Precedeu esta norma, o projeto de Januário da Cunha Barbosa que defendia três pontos principais: a educação como um dever do Estado, a necessidade da distribuição, por todo o território nacional, de uma organização escolar e a graduação do processo educacional em diferentes níveis. Tal projeto dividia a instrução pública em quatro graus diferentes: pedagogias, liceus, ginásios e academias. O projeto detalhava cada grau, passando pela descrição dos programas curriculares a serem utilizados, os livros adequados, a formação dos professores e a fiscalização que o Estado deveria realizar nos estabelecimentos escolares existentes:


“A instrução pública do Império do Brasil será dividida em quatro graus distintos, que se denominarão: pedagogias, liceus, ginásios e academias. No primeiro grau ou pedagogias, se compreenderão aqueles conhecimentos que a todos são necessários, qualquer que seja o seu estado ou profissão. No segundo grau ou liceu, se compreenderão os conhecimentos essenciaes aos agricultores, artistas e negociantes. No terceiro grau ou ginásios, se darão os conhecimentos científicos que devem servir de introdução aos estudos profundos das ciências e todo o gênero de erudição. No quarto grau ou academias, se ensinarão as ciências abstratas e as de observação, consideradas em sua maior extensão e em todas as mais diversas relações com a ordem social, compreendendo-se alem disto o estudo das ciências morais e políticas, contempladas debaixo do mesmo ponto de vista” (PRIMITIVO MOACYR, , vol 1, p.149).


A lei promulgada, em 1827, no entanto, só estabeleceu o ensino primário como objetivo a ser alcançado em todo o território nacional. Esta norma determinou a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos e estabeleceu o ensino primário para as meninas, descrevendo as diretrizes pedagógicas a serem seguidas, ou seja, a aplicação do método mútuo. Este era baseado no uso de alunos mais adiantados como monitores, auxiliando os professores no trabalho em classe, permitindo que um grupo maior de crianças pudesse ser alfabetizado. Tal método, no entanto, exigia uma série de materiais e um espaço físico adequado, o que dificultou sua aplicação no país (BASTOS, 2006, p. 49).

Politicamente, houve, no final da década de 20, um acirramento dos conflitos entre o governo e a população brasileira e as dificuldades em governar o país se aprofundaram. Ocorreram várias manifestações populares e, em abril de 1831, o imperador acabou por assinar sua abdicação. Para Caio Prado Jr, este ato consolidou definitivamente “autonomia brasileira, noutras palavras, o “estado nacional” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 65). Apesar do reconhecimento de que “o surgimento da nação brasileira, impunha exigências à organização educacional” (RIBEIRO, 2003, p. 47), problemas internos (políticos, econômicos e sociais) impediram a efetivação de um sistema de educação público. José Ricardo Pires de Almeida (2000, p. 61) apresenta um levantamento realizado em 1832 sobre a organização educacional no país (é interessante observar que não há referência à Província de São Paulo):

A estatística oficial de 1832 elenca, em todo o império, 162 escolas de meninos e 18 de meninas; estas escolas estavam estabelecidas no Rio de Janeiro e na província de mesmo nome e também nas províncias da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí, Pará, mato Grosso, Goiás e S. Pedro do Rio Grande do Sul; sobre estas 180 escolas, havia ao menos 40 nas quais o lugar do professor estava vacante, e deste número, 8 eram escolas de meninas. Havia, pois, em todo o Brasil 10 escolas para o sexo feminino.


Com a abdicação de Dom Pedro I, o país passa a ser, oficialmente, governado por representantes da elite rural brasileira (Regências, 1831-1840). É um período em que movimentos revolucionários regionais se fazem presentes: quanto mais populares fossem as revoltas, mais violentamente eram reprimidas pelo governo central. Além dos levantes populares, este é um momento de intensos embates políticos: conservadores defendendo a centralização política e liberais lutando pela descentralização política. O Ato Adicional de 1834, por exemplo, uma emenda à Constituição vigente, defendido pelos liberais, é um exemplo desta luta política ao criar as Assembléias Provinciais, dando algumas competências legislativas aos deputados regionais. Criar esta instância legislativa atendia a reivindicação das oligarquias regionais por maior autonomia sem, no entanto, enfraquecer o poder central, afinal, o presidente de província continuava a ser nomeado pelo governo central. Em verdade, com esta descentralização política parcial, juntamente com a repressão policial, foi possível eliminar as revoltas regionais, fortalecendo a unificação do país, implantando “um arranjo institucional por meio do qual (as) elites (regionais) se acomodaram, ao contar com autonomia significativa para administrar suas províncias e, ao mesmo tempo, obter garantias de participação no governo central através de suas representações na Câmara dos Deputados” (DOLHNIKOFF, 2005, p. 14).

Sobre as atribuições legislativas das Assembléias, Dias (2003, p. 10) afirma que o Ato Adicional de 1834 “criou uma divisão de atribuições legislativas complexas. Na prática, introduziu uma instância legislativa na esfera provincial e transferiu poderes até então exercidos no centro ou no município, para as Assembléias”. O mesmo autor demonstra que questões importantes, como o imposto sobre importação e o tráfico negreiro, depois de muito debate, acabaram permanecendo como competência do Poder Central. Apesar das limitações descritas, a Assembléia Provincial Paulista, por exemplo, criada em 1835, tornou-se, um elemento fundamental dentro das “engrenagens políticas imperiais. Foi por meio do Legislativo que a aristocracia paulista pode reordenar todo o aparato administrativo e político provincial e implementar políticas públicas regionais que foram determinantes no seu desenvolvimento” (DIAS, 2003, p. 07). Quanto à educação, a norma de 1834, estabeleceu que fosse competência do parlamento regional legislar sobre educação primária e secundária. Esta descentralização dificultou ainda mais a capacidade de criação de um sistema público de educação nacional, pois as províncias, em sua maioria, possuíam poucos recursos financeiros para efetivar sua estruturação, “o que nutria não só um caráter heterogêneo para a educação brasileira da época como mostrava, para qualquer viajante, uma imensa alteração de qualidade da educação quando este fosse caminhando de província para província” (GHIRALDELLI JR., 2005, p. 29).

Em relação à organização escolar paulista, nos anos compreendidos entre 1830 e 1870, “o Império foi promovendo um processo lento, muito lento, mas sustentado de difusão das aulas públicas das grandes cidades até os mais remotos e isolados povoados” (MARCÍLIO, 2005, p. 88). Neste contexto, se inserem as duas primeiras reformas educacionais paulistas: Lei nº 34/1846 e Lei nº 54/1868. A primeira, elaborada após onze anos de instalada a Assembléia Provincial de São Paulo, torna obrigatória a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e povoados populosos da província. Em cada uma das localidades onde fosse criada uma escola, haveria uma Comissão com a incumbência de fiscalizar o trabalho dos mestres e as condições de ensino. Preocupados com a formação dos professores, criou-se a Escola Normal e regulamentaram-se os concursos públicos para a área. Os salários foram discriminados, variando conforme a localização das escolas. Há previsão de uma gratificação para os professores que tivessem um maior número de alunos freqüentando sua classe. Em relação ao conteúdo a ser ministrado, ele diferenciava-se conforme o sexo do aluno: para as meninas o currículo era menos extenso e incluía prendas domésticas. Basicamente, o programa para os meninos consistia das seguintes matérias: leitura, escrita, prática de aritmética até proporções, noções gerais de geometria prática, gramática portuguesa, princípios da moral cristã e doutrina da religião do Estado. Havendo um número significativo de alunos, poderia ser criada uma segunda aula apresentando noções gerais de historia e geografia (Geral e do Brasil) e noções de ciências físicas aplicadas à vida. Já a reforma de 1868, ampliou a estrutura de fiscalização do ensino, estabeleceu um novo concurso público e criou benefícios para os professores que tivessem um número significativo de alunos freqüentando suas aulas. Em relação ao conteúdo, não há mais a previsão de um currículo diferente para as meninas. Por fim, a lei permite que o ensino primário possa ser livremente exercido por particulares (ensino livre) e que o governo subvencione as escolas particulares onde não houver escola pública, desde que fique comprovada que tais instituições sejam freqüentadas por alunos pobres do local. Em relação ao ensino privado, afirma Barbanti (1977, p. 36):

“Da liberação do ensino privado resultou, como era esperado, o crescimento acentuado de escolas particulares, especialmente as de nível secundário, pois em São Paulo a iniciativa privada foi desestimulada de atuar mais amplamente no nível elementar, em virtude dos cuidados que os poderes públicos provinciais passaram a dispensar à educação popular, nas últimas décadas do Império”.


Com o sucesso da lavoura cafeeira, a economia brasileira entra, na segunda metade do século XIX, em um período de crescimento, diminuindo os conflitos sociais registrados anteriormente. Verbas advindas da exportação do café e o fim dos gastos feitos com o tráfico negreiro, abolido na época, permitiram a construção de grandes empreendimentos: “em 1854 começa a trafegar a primeira estrada de ferro brasileira, do porto de Mauá a Fragoso (trecho inicial da atual Leopoldina Railway). No ano seguinte, inicia-se a construção da Estrada de ferro Pedro II (Central do Brasil). O telégrafo é inaugurado em 1852, e fazem-se na mesma época as primeiras concessões para linhas de navegação” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 94). Neste período as cidades passam a ser “pólos dinâmicos do crescimento capitalista interno” (RIBEIRO, 2003, p. 53). Os centros urbanos atraem representantes das camadas ricas, concentrando as atividades desenvolvidas pelas camadas médias e dos trabalhadores compostos em sua maioria por escravos libertos. Com as transformações econômicas da segunda metade do século XIX, “o país se moderniza e se esforça por sincronizar sua atividade com a do mundo capitalista contemporâneo” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 195). O sudeste brasileiro se transforma em um novo pólo de riqueza e de atração para os grupos de imigrantes e migrantes. São Paulo passa, então, a ter importância econômica e política no país:


São Paulo, no início do século XIX, era uma província relativamente pobre, se comparadas a outras, como Bahia e Pernambuco. Apenas com muita dificuldade e esforço fora possível introduzir, no planalto, em meados do século XVIII, a lavoura de cana-de-açúcar para exportação. Depois de viver por longo tempo da produção de trigo e da agricultura de subsistência, os paulistas lograram integrar-se ao grande circuito do comércio atlântico através da cana. Com a agricultura canavieira a província adquiriu a infra-estrutura adequada para participando mercado externo: o porto de Santos foi aparelhado e a malha viária, expandida. Mas somente nas últimas décadas do século XIX, graças ao café, São Paulo deixou de ser uma acanhada província, para tornar-se um centro econômico em escala nacional (DOLHNIKOFF, 2005: 24)..


Em termos políticos, durante o governo de D. Pedro II (1840-1889), as revoltas populares são exterminadas e os embates se restringem as divergências existentes dentro da própria elite brasileira: “o Império afinal se estabiliza no seu natural equilíbrio: a monarquia burguesa. Esmagada a revolução, subjugada a onda democrática, a grande burguesia entra no gozo indisputado do país” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 89). Os governos que se seguiram, ora liberal ora conservador, poucas mudanças apresentavam entre seus programas de governo, pois “tanto liberais como conservadores eram porta-vozes dos grupos sociais bastante semelhantes, não é de se surpreender que a filiação partidária fosse geralmente mais uma questão de família e parentesco do que de ideologia” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 161).

A partir da década de 70, no entanto, nasce um novo grupo dentro da elite brasileira, a burguesia progressista, voltado para as atividades econômicas ligadas a modernização do país, como o comércio e a área financeira, que acaba por entrar em choque com as antigas oligarquias, representada basicamente pelos proprietários rurais, que viam seus interesses desvalorizados (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 98). Além disso, uma elite intelectual, advinda das camadas dominantes e médias, passa a ter maiores contatos com a Europa, trazendo, para a vida brasileira, novos ideários, tais como o liberalismo e o positivismo, passando a fazer críticas contundentes ao sistema educacional brasileiro, propondo diversas reformas e modelos a serem seguidos, ora privilegiando idéias humanistas, ora defendendo um ensino mais voltado ao ensino científico (baseado nos idéias positivistas) (GHIRALDELLI JR., 2005, p. 30). Neste período, o sistema educacional paulista passa por reformas, tornando o ensino primário obrigatório e cada vez mais complexo, ou seja, abarcando um número maior de matérias, como exigia a nova realidade econômica da região, aumentando a necessidade de se criar uma população mais letrada, que atendesse ao novo momento: “as transformações eram estimuladas igualmente pelo capitalismo que avançava, trazendo inovações tecnológicas, novas relações de trabalho, outros padrões de consumo e propondo uma redefinição para a interação publico/privado. Ao Estado eram reservadas novas tarefas sociais e econômicas, uma nova inserção na vida urbana, com novos serviços e remodelação dos velhos” (DIAS, 2003, p. 11).

Neste contexto, é aprovada a Lei nº 09/1874, estabelecendo o ensino primário obrigatório para os menores, do sexo masculino, de 7 a 14 anos e, para as meninas, de 7 a 11 anos de idade. Além disso, definia que os Conselhos Municipais de Instrução deveriam “promover por todos os modos, o desenvolvimento da instrução primaria”. Esta lei torna o ensino da religião católica obrigatório somente para os filhos dos pais que sigam a mesma e, novamente, procura-se criar, na capital, uma Escola Normal, pois as tentativas anteriores não conseguiram êxito. A dissertação proposta por este projeto, terá, justamente, como objeto de estudo, as discussões feitas, sessão a sessão, pelos deputados, quando da criação desta reforma do ensino, demonstrando as divergências existentes entre eles e o processo de síntese final elaborada pelo conjunto. O debate ocorrido demonstra o receio dos parlamentares em aprovar a obrigatoriedade de ensino entendendo que este princípio permitiria ao Estado invadir direitos exclusivos da esfera privada dos indivíduos e, além disto, trazia, em si, elementos da doutrina socialista e comunista. Há momentos que os parlamentares expressam temer mais “os ideaís revolucionários franceses”, considerando o recente movimento da Comuna de Paris, do que o próprio fim da monarquia nacional. Outro aspecto interessante são as referências que alguns parlamentares fazem da Prússia/Alemanha e dos Estados Unidos, apresentando tais nações como exemplos de países civilizados. Há constantes alusões ao processo educacional existentes nestes países, reafirmando a idéia de que havia admiração de grupos da elite paulista, nas últimas décadas do século XIX, com o trabalho desenvolvido pelos protestantes na área educacional em seus países de origem e, posteriormente, em suas escolas montadas na Província de São Paulo, tanto que os paulistas acolheram “os ideais e práticas educativas que (os protestantes) propunham, a ponto de tomá-las como um dos modelos das reformas efetuadas na rede oficial do ensino de São Paulo a partir de 1890” (BARBANTI, 1987, p.45). A Alemanha aparecia como um contraponto à França, demonstrando os avanços de um país conservador na área educacional. Por fim, o debate sobre a formação dos professores acaba por se concretizar, quase que por votação unanime, na criação de uma Escola Normal. Em sua maioria, os parlamentares defendiam a idéia de que o principal problema da educação pública paulista se encontrava na deficiente formação dos mestres.

Por fim, para fins de ilustração, no ano de 1887, é aprovada a última reforma do ensino fundamental do período imperial. A Lei nº 81/1887, muito mais complexa do que as anteriores, estabeleceu que a direção do ensino seria exercida pelo Presidente de Província e por um Conselho Superior, sendo sua execução efetivada pelo Diretor da Instrução Pública e pelos Conselhos Municipais. Criou novas normas para um concurso na área, obrigando, inclusive, os professores já nomeados e não vitalícios a participarem do mesmo. Em relação à estrutura das escolas fundamentais, o ensino primário passou a ter três graus, cada um com um currículo próprio. Como o próprio artigo 71 da lei explicita "a instrução primária das escolas públicas da província se divide em três graus apropriados à idade e desenvolvimento intelectual dos alunos". Em relação à educação das meninas, elas deveriam receber o mesmo conteúdo acrescido de matérias ligadas às prendas domésticas. Uma advertência prevista no artigo 73 que merece ser aqui destacada: "as lições serão mais empíricas do que teóricas e o professor se esforçará por transmitir aos seus discípulos noções claras e exatas da matéria, provocando o desenvolvimento gradual das faculdades". Há, ainda, a previsão do ensino itinerante na área rural, a introdução do ensino noturno e a formação de um fundo escolar.

  1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


O Acervo da Assembléia Legislativa de São Paulo possui uma série de documentos que revelam a discussão, feita pelos parlamentares, sobre educação durante o Império na província paulista. Com a leitura direta desta documentação e dos textos correlatos é possível fazer uma avaliação da importância dada à educação pública em São Paulo no período. A Assembléia Legislativa de São Paulo mudou várias vezes de edifícios: inicialmente, no ano de 1835, funcionou no prédio do Colégio dos Jesuítas, sendo transferida, em 1879, para um casarão próximo ao Largo João Mendes e depois para o Palácio das Indústrias. Em 1968, o Palácio 9 de julho, no Parque Ibirapuera foi inaugurado, sendo até hoje o local onde funciona o poder legislativo estadual. Nestas mudanças, muitos documentos da época do Império se perderam, produzindo “lacunas nos documentos preservados, o que dificulta a compreensão do contexto real de produção” (PAZIN, 2005, p.74). Apesar das dificuldades apresentadas, foi possível, em um primeiro levantamento, encontrar cerca de 400 leis provinciais relacionadas à educação. A maioria delas, cerca de 275, determina a criação de escolas (ou cadeiras) de primeiras letras e cadeiras de gramática latina e francesa, nas diferentes povoações, vilas e cidades da província. Além da legislação, existem pareceres diversos sobre o assunto e discussões realizadas pelos parlamentares, anotadas em anais.

Utilizar a legislação e os debates como fonte na análise da história da educação, pressupõe entender tais documentos em sua especificidade e sua relação com o contexto em que foi elaborada: “é fundamental relacionar toda a prática legislativa e os produtos da mesma, as leis, com as relações sociais mais amplas nas quais elas estão inseridas e as quais elas contribuem para produzir” (FARIA FILHO, 1998, p.99). Afinal, estes documentos oficiais podem ser “considerados evidências históricas que sobreviveram além dos seus criadores e permanecem como testemunhas do processo histórico real da sociedade e da época em que foram geradas” (ANANIAS, 2005, p. 10). Além disto, a lei não deve ser entendida isoladamente, mas relacionada a outras normas legais, formando um ordenamento jurídico, com uma lógica específica e com uma linguagem própria, possuindo como uma de suas dimensões, a capacidade de ordenar as relações sociais (FARIA FILHO, 1998). No período imperial brasileiro, a lei tinha, justamente, a função de criar mecanismos de intervenção estatal “sobre o heterogêneo povo brasileiro no sentido de civilizá-lo e prepará-lo para contribuir para o progresso da nação” (FARIA FILHO, 1998, p. 112-113). A legislação educacional teve um papel exemplar neste processo, “pois foi com a Escola que, mediante a generalização da educação primária durante o século XIX, se exerceu a ação unificadora do Estado na questão da cultura – elemento fundamental da construção do Estado-nação” (CATANI, s/d).

O Poder Legislativo era, no contexto imperial, o local onde se formulavam as políticas públicas e, pela representação que ali se encontrava, lugar onde se explicitavam as divergências existentes nos diferentes grupos que formavam a elite, como indica Dolhnikoff (2008, p. 22), ao discutir o papel da Câmara dos Deputados:


No Brasil, o desafio de construir um governo representativo centrou-se na forma de organizar as instituições, de modo a adaptar os modelos conhecidos à realidade específica do país. Os políticos brasileiros acalentaram projetos distintos, tendo em vista concepções diversas de representação e diferentes interesses projetados na ordem institucional. A opção por um governo representativo permitiu trazer para o interior do Estado as disputas de interesses entre os diversos setores da elite.

No processo de construção do Estado brasileiro, a Câmara dos Deputados viabilizou a relação de legitimidade entre população e governo, por ser eletiva, e tornou-se espaço de negociação de conflitos através da formulação institucional de políticas (grifos nossos).


A legislação aprovada na Assembléia Provincial Paulista, nas últimas décadas do século XIX, reflete o crescimento econômico da região advindo da produção do café e a conseqüente necessidade de se ampliar a infra-estrutura local para responder as novas necessidades sociais e econômicas. Os debates em plenário demonstram que, apesar dos deputados pertencerem a uma determinada classe social, havia divergências entre eles quanto ao papel que as instituições estatais deveriam seguir, afinal conviviam, ali, representantes da burguesia tradicional com elementos vindos de uma burguesia progressista, voltado para as atividades econômicas ligadas a modernização do país, como o comércio e a área financeira (PRADO JÚNIOR, 1994) Assim, é possível reconhecer a Assembléia Provincial Paulista como um campo, nos termos de Pierre Bourdieu, com uma relativa autonomia, com regras próprias, apresentando uma hierarquia e uma tensão entre seus membros (BOURDIEU, 2003). A dinâmica das relações mantidas entre os parlamentares dependia, justamente, de como cada um incorporava os “padrões sociais existentes” e como produziam “suas respostas a partir de novas ações ou práticas sociais”, ou seja, seu habitus (CATANI, s/d, p. 19), em outras palavras, como “as próprias estruturas do mundo fazem-se presentes nos esquemas cognitivos que os agentes acionam para compreender o mundo” (CATANI, 2005, p. 325).

  1. JUSTIFICATIVA


A leitura dos documentos existentes na Assembléia Legislativa Paulista, além dos textos correlatos, permite uma avaliação da importância dada à educação pública, pela elite política, na província de São Paulo durante o período imperial. Relatório feito pelo Presidente da Província - Josino do Nascimento Silva-, na abertura dos trabalhos da Assembléia Legislativa Provincial, no dia 16 de fevereiro de 1854, descreve a legislação educacional e a situação do ensino na província paulista:


“Devo chamar toda vossa attenção para a Legislação embaraçada, que rege a Instrucção Pública na Província: o ensino primário está confiado a diversas classes de professores com differentes obrigações e direitos disiguaes: os ordenados são menos do que o restrictamente preciso para a econômica subsistencia; a Província não dá casas para as escolas, recahindo esta despeza sobre os muito diminutos ordenados dos Professores. Todas essas causas concorrem para não serem estes empregos desejados por maior numero de pessoas habilitada, que encontrarão outras muitas carreiras, tão honrosas como a do Professorado, mais lucrativas, e menos trabalhosas (grifos nossos)#”.


Nesta declaração é perceptível a idéia de que vários problemas existentes na escola pública contemporânea já estavam presentes no período imperial. Assim, entender como esta “rede escolar” paulista foi criada, permite que as dificuldades atuais da educação paulista sejam identificadas de uma forma contextualizada, permitindo uma melhor compreensão das mesmas.

  1. OBJETIVOS


Levantamento e análise dos debates realizados pelos deputados provinciais paulistas quando da elaboração Lei 09/1874, que instituiu o ensino primário obrigatório na província, desde a apresentação do projeto em 1870 até a sua sanção em 1874; verificando sua importância dentro do contexto legal e educacional paulista da época e reconhecendo a Assembléia Provincial como um centro de debates em que parcelas diversas da elite regional lutavam por seus princípios.

  1. PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE SUA EXECUÇÃO

    1. – Levantamento da legislação da época, da documentação correlata e da bibliografia existente sobre o tema (1º e 2º semestres).

    2. – Leitura, análise da documentação encontrada e exame de qualificação (2º, 3º, e 4º semestres)

    3. - Elaboração da dissertação e defesa (5º e 6º semestres).

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBANTI, Maria Lucia Hilsdorf – Escolas Americanas de confissão protestante na Provincia de São Paulo: um estudo de suas origens – Dissertação de mestrado, Faculdade de educação da USP, cópia da Biblioteca da FE/USP, 1977

______________________________– Colégios americanos de confissão protestante na província de SP: sua aceitação pelas elites progressistas da época in Comunicações do ISER, ano 6, nº 24, p. 44-54, Março de 1987.

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de - História Constitucional do Brasil, OAB/DF editora, 4ª edição, Brasília, 2000.

BOURDIEU, Pierre – Os usos sociais da ciência; por uma sociologia clinica do campo científico, Editora UNESP, São Paulo, 2003.

CATANI, Denice Barbara – A educação como ela é; o sistema escolar não vai igualar as oportunidades ou dar cultura a todos, mas pode, no entanto, não reforçar a desigualdade. In BOURDIEU PENSA EDUCAÇÃO, Editora Segmento,São Paulo, s/d.

________________________- Pierre Bourdieu e a História (da Educação). In Faria Filho, Luciano M - Pensadores sociais e história da educação, Autêntica, Belo Horizonte, p. 319-339, 2005

CLEMENTE, Roberta - As regras do jogo parlamentar no Legislativo Paulista de 1835 a 1937, in Revista do Acervo histórico da ALESP, nº 1, Imprensa Oficial, São Paulo, 2003.

DIAS, Carlos Alberto Ungaretti - A origem da Assembléia Legislativa de São Paulo in Revista do Acervo histórico da ALESP, nº 1, Imprensa Oficial, São Paulo, 2003.

FARIA FILHO, Luciano M. – Fazer história da educação com E. P. Thompson: trajetórias de um aprendizado. In ______ (org) Pensadores sociais e história da educação, Autêntica, Belo Horizonte, p. 239-256, 2005.

________________________ - A legislação escolar como fonte para a história da educação: uma tentativa de interpretação. In _________(org) Educação, modernidade e civilização, Autêntica, Belo Horizonte, p. 89-125, 1998.

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GHIRALDELLI JR, Paulo - História da Educação Brasileira, Cortez Editora, São Paulo, 2005.

GONDRA, José Gonçalves e SCHUELER, Alessandra – Educação, poder e sociedade no império brasileiro, Cortez Editora, São Paulo, 2008.

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