quarta-feira, 4 de maio de 2011

Projeto: Políticas Federais e o movimento de economia solidária no estado de São Paulo

Projeto de Mestrado vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FE/USP


Linha de Pesquisa: Sociologia da Educação


Título - Políticas Federais e o movimento de economia solidária no estado de São Paulo

Pesquisadora: Ana Luzia Alvares de Laporte

Orientador: Elie Ghanem Júnior

Resumo

Como as políticas brasileiras federais de economia solidária, voltadas para a formação, fortalecem o movimento de economia solidária? Este é o problema de pesquisa deste projeto, que se concentra na execução da política do CFES (Centro de Formação em Economia Solidária) no estado de São Paulo, implementado a partir de 2009. A pesquisa se dedicará ao exame da seguinte hipótese: a concepção e implementação do CFES, realizadas por meio do diálogo entre integrantes do movimento e do Estado, fortalece o movimento. Este fortalecimento se traduz no âmbito do CFES em São Paulo a partir de ações formativas que buscam adequar-se às demandas e concepções específicas dos atores de São Paulo, reunidos no FPES (Fórum Paulista de Economia Solidária). Para realizar a pesquisa serão analisados os documentos do CFES e realizadas entrevistas com os integrantes do FPES (gestores públicos, integrantes de organizações da sociedade civil e de empreendimentos de economia solidária) e com os agentes da organização da sociedade civil executora da política na região Sudeste. O fortalecimento será analisado em termos da utilização dos recursos, definição de conteúdos, metodologia, do público e objetivos definidos para as atividades.

Palavras-chave: economia solidária, formação, políticas públicas.

1. Introdução e justificativa

1.1 O problema de pesquisa

Este projeto focaliza o seguinte problema de pesquisa: como as políticas federais brasileiras de formação em economia solidária fortalecem o movimento de economia solidária?

A economia solidária emergiu num contexto marcado pela crise econômica dos anos 1980, vivida com a implementação das políticas econômicas neoliberais e a abertura do mercado nacional a partir dos anos 1990. Antunes (2005) analisa estas transformações em relação ao mundo do trabalho e à organização da classe trabalhadora como parte de um processo de precarização estrutural. Este tem como engrenagem o aumento da exploração dos trabalhadores e, como consequências, o desemprego, a fragmentação da classe trabalhadora e a flexibilização das contratações. Em resposta a este cenário de maior competitividade e escassez dos postos de emprego, os trabalhadores informais, terceirizados ou desempregados passaram a desenvolver alternativas de sobrevivência.

A economia solidária é caracterizada por Cruz como resultante desta conjuntura econômica excludente, com os “valores sociais forjados na acumulação social e política das lutas dos anos 70 e 80, contra as ditaduras militares, e em favor da democracia participativa e da justiça a ser conquistada através da igualdade econômica” (2006, p. 135).

Estas experiências de resistência podem ser voltadas simplesmente à geração imediata de trabalho e renda, ou articular-se às lutas mais amplas, que pautam outro modelo de desenvolvimento econômico. Singer (2002) aponta, como base do movimento de economia solidária no Brasil, a construção de uma identidade comum fundada nas experiências de sobrevivência, participação direta e solidariedade, articulando diversas práticas econômicas de resistência em relação à precarização do trabalho e aumento da exploração da mão-de-obra vivida pelos trabalhadores. Estas experiências foram desenvolvidas por uma grande diversidade de atores sociais, entre os quais estão as igrejas, os sindicatos, as universidades e os movimentos sociais.

Os sujeitos envolvidos realizam empreendimentos em um modo autogestionário de organização da produção, consumo, comercialização e finanças. Em 2006, a I Conferência Nacional de Economia Solidária situou o fundamento daqueles empreendimentos na centralidade do ser humano nas relações econômicas e identificou os seguintes princípios: acesso irrestrito às informações, espaços comuns de decisão, igualdade de direitos, deveres e oportunidades, resgate dos saberes das comunidades tradicionais, construção coletiva e difusão do conhecimento (BRASIL, 2006, p. 57).

Na literatura sobre o tema, é recorrente o enfoque da experiência dos EES (Empreendimentos de Economia Solidária) como educativa em si. Porém, a especificidade da formação em economia solidária parece decorrer principalmente do fato de que os grupos propõem uma forma de organização da produção e das relações de trabalho diferente da que estamos acostumados e quase oposta à maneira como fomos educados.

A organização autogestionária dos grupos econômicos parte da construção coletiva de soluções para as necessidades encontradas no cotidiano, tendo como base a solidariedade, a igualdade e a relação democrática entre os membros. Tais práticas implicam um tipo de educação que esta pesquisa se propõe conhecer e que é base das ações de formação. Segundo Singer, a “Economia Solidária é um passo decisivo 'para além' desse aprendizado pela vivência, pois ela propõe a solidariedade não só como imposição da necessidade, mas como opção consciente por outro modo de produção” (SINGER, 2005, p. 20).

A produção científica sobre o tema mais amplo da economia solidária já é significativa e inclui enfoques diversos. A revisão recente mais completa a respeito é Bertucci (2010), que analisou, a partir do Banco de Teses da Capes, 226 pesquisas com data até 2007, localizadas pelo assunto “economia solidária”, em 59 universidades e 18 estados brasileiros. Nas buscas que eu realizei em 2011, encontrei 578 teses e dissertações sobre o tema. No Quadro 1 abaixo, elaborado por Bertucci (2010, p. 146) sobre as abordagens das pesquisas, apenas cinco trabalhos tratam da política pública federal de economia solidária. Este fato não é estranho, pois a institucionalização da política em nível federal é recente e ocorreu a partir da criação da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária), vinculada ao MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), em 2003[1].

Quadro 1: Número e percentual de trabalhos segundo temas de pesquisa*

Temas

Total

%

Empreendimentos Solidários

102

45,10%

Abordagem teórica/histórica ou conceitual

49

21,70%

Políticas Públicas Locais

21

9,30%

Incubadoras

13

5,80%

Educação

9

4,00%

Análise do discurso e representação

8

3,50%

Empresas Recuperadas/ Autogeridas

8

3,50%

Questão de gênero

7

3,10%

Desenvolvimento sustentável

5

2,20%

Economia de comunhão

5

2,20%

Gestão de EES

5

2,20%

Políticas Públicas Federal

5

2,20%

Sindicalismo

5

2,20%

**Outros

40

17,70%

2001. Fonte: Banco de teses (CAPES). Elaboração do autor.

* o total supera os 100% pois alguns trabalhos envolviam mais de um tema.

** Entre os outros temos: análise comparativa internacional, comércio justo, microcrédito, clubes de troca, deficiência e saúde mental, feiras, políticas públicas em geral, cooperativismo, empresas de participação comunitária, fóruns e entidades de representação, marco legal, movimentos sociais, MST, igreja, mapeamento, questão racial e terceiro setor.

Pude detectar novos títulos neste tema incluídos no banco de dados da Capes. Alguns abordam as políticas públicas federais, porém, têm enfoque no estudo de caso de políticas e programas municipais. Por exemplo, Capacle (2010) se dedica a aprofundar o conhecimento sobre a consolidação das políticas de governo em políticas de Estado a partir do caso do município de São Carlos. Noutra linha, Cunha (2009) se concentra na atuação do Estado como indutor de desenvolvimento e, neste enquadramento, volta-se para as políticas de cooperativismo e trabalho autogestionário desenvolvidas no município de Santo André.

O maior número de estudos das políticas públicas de economia solidária em âmbito municipal ocorre porque estas são mais antigas do que as políticas federais.[2] O trecho abaixo ajuda a compreender como se dá a emergência destas ações:

(...) Empiricamente, é necessário reconhecer que, de fato, existem políticas de economia solidária, pelo menos, enquanto ação de governos, pois se verifica haver opções feitas programática e concretamente por governos locais, regionais e nacionais na adoção de ações de apoio à economia solidária e a seus sujeitos. Tais “ações de governo” ainda não se institucionalizaram como direitos (da sociedade) e deveres (do Estado), sendo políticas de governo e não políticas de Estado. (SCHIOCHET, 2009, p. 269)

A política pública é entendida como a própria iniciativa do governo, que se traduz nos planos, nos programas e nas ações que este desenvolve. Algumas análises vão além desta interpretação, realizando um debate mais específico acerca do sentido das políticas federais de economia solidária. Barbosa (2005), como se pode ver abaixo, representa uma das perspectivas mais críticas, entendendo que as políticas de economia solidária foram concebidas a partir de um ideal embasado na precarização do mundo do trabalho e que estas a reforçam:

Com a investigação, pudemos apurar em maior densidade o quadro de enfraquecimento político da sociedade brasileira na medida em que o antidireito ao trabalho regulamentado passa a ser consentido (e promovido) por integrantes dos movimentos sociais. Sob o argumento da liberalidade do trabalho autogestionado das amarras do capital, passa-se a defender o não assalariamento como alternativa para antecipação do socialismo. Subjaz aí também a idéia de que vencidos pela astúcia do capital nada mais resta que prover outras formas de trabalho, então, que se faça em sistema de autogestão. (2005, p. 270)

Bertucci também critica a concepção das políticas federais, porém, entende que estas requerem aperfeiçoamento, não representando necessariamente um reforço ao processo de precarização do trabalho:

A possibilidade de se obter resultados substancialmente mais importantes, com uma política integrada às prioridades do Estado é limitada por certo isolamento da SENAES na estrutura do governo e pelo fraco envolvimento de outros órgãos do Estado na política pública de apoio à ES. No entanto, mesmo que maior atenção fosse dada a ES, é preciso verificar que a política de ES, em sua concepção prática precisaria de maior consistência para orientar um projeto de desenvolvimento nacional justamente por ser restrita à economia de empreendimentos autogestionados. (2010, p. 88)

Nenhum dos trabalhos enfocou o papel das políticas de formação em economia solidária, embora apresentem diferentes abordagens enfatizando a relação entre movimento social e Estado. Assim, não estão disponíveis parâmetros para análise do fortalecimento do movimento por meio das políticas públicas de formação. Segundo Cunha (2009), as ações da Senaes para a área se resumem conforme segue:

(...) As ações de formação de trabalhadores, educadores e gestores públicos para atuar em economia solidária se deram a princípio por meio do apoio a projetos isolados de formação, também em articulação com a área de Educação de Jovens e Adultos, além de cursos para gestores públicos (federais e locais). Em 2006, teve início o Plano Setorial de Qualificação em Economia Solidária, a primeira grande ação estruturada de formação de trabalhadores, com o foco na constituição de redes em cinco segmentos econômicos, em parceria com a área de qualificação profissional do MTE. A partir de 2007, os esforços concentraram-se no estabelecimento de uma política estruturada de formação sistemática e continuada, culminando em chamada pública para implantação de Centros de Formação em Economia Solidária (Nacional e Regionais).

Uma outra área é o apoio à incubação de empreendimentos solidários, que efetivamente une a formação e a assistência técnica. A maioria das incubadoras encontra-se em universidades, e estas têm sido apoiadas por meio de um projeto interministerial já existente desde 1998, o PRONINC. Este projeto passa a ser coordenado pela SENAES desde o início da gestão, mas, só a partir do final de 2008, a área foi incorporada pelo Departamento responsável pelas demais ações de formação, e deve ampliar seu escopo para incluir também incubadoras públicas ou de entidades da sociedade civil. Por fim, em 2008, o outro Departamento (Fomento) efetuou chamada pública para a implantação de Núcleos de Assistência Técnica, tendo sido selecionadas sete entidades executoras na modalidade de abrangência estadual, e outras três na modalidade temática de redes. (CUNHA, 2009, p. 13) (grifos nossos).

Não se dispõe de conhecimento resultante de pesquisa sistemática sobre estas ações da Senaes relativas à formação, nem quanto a sua elaboração (o diálogo que ocorreu entre as instâncias do movimento e do Estado) nem a respeito de sua forma de operacionalização e impacto no movimento de economia solidária. As ações têm como foco diferentes públicos, abrangendo principalmente os empreendimentos e os formadores. Quanto aos primeiros, há núcleos de assistência técnica e o Proninc, que viabiliza a incubação dos empreendimentos por incubadoras universitárias e públicas. Quanto aos formadores da economia solidária (gestores públicos, entidades de fomento e empreendimentos), há as ações do CFES, dedicadas, sobretudo, à articulação dos atores e das práticas formativas e à sistematização das experiências.

Não seria possível, nesta pesquisa, analisar todas as ações de formação, sobretudo pela multiplicidade de atividades que ocorrem em escala nacional, regional e local, e pela diversidade de atores envolvidos na execução destas políticas. Por conta desta amplitude, optei por concentrar a atenção na política federal do CFES no estado de São Paulo. Em todo o Brasil, o CFES tem como objetivo fortalecer as ações de formação realizadas pelas entidades do movimento a partir da articulação dos formadores em redes estaduais, regionais e nacionalmente, e da sistematização dos conhecimentos desenvolvidos nas experiências de formação com os empreendimentos.

A análise da política do CFES no estado de São Paulo não equacionará completamente o tema, mas, contribuirá com o conhecimento sobre as possibilidades da implementação de políticas públicas em diálogo com a sociedade civil, especificamente as políticas voltadas para a formação no terreno da economia solidária.

1.2 Hipótese de trabalho

Esta pesquisa se dedicará ao exame da seguinte hipótese: as políticas federais de formação em economia solidária fortalecem o movimento de economia solidária por meio do reconhecimento do FPES (Fórum Paulista de Economia Solidária) como ator central na realização da proposta do CFES no estado de São Paulo.

O movimento de economia solidária se organiza em cada estado brasileiro a partir de fóruns micro-regionais e estadual. Em 2008, na IV Plenária Nacional do FBES, houve a participação de 27 fóruns estaduais (FBES, 2008). Em São Paulo, já havia um fórum municipal de economia solidária desde 1999 (SOUZA, 2009), não encontrei nenhum registro referente à data de criação do FPES.

Assim como o FBES, os fóruns locais têm as finalidades de fortalecer, mobilizar e articular os atores do movimento, também realizando diálogo com outros movimentos sociais e acompanhando as políticas públicas de economia solidária (FBES, 2008, p. 42) Porém, o CFES é a única política da Senaes na área de formação que tem suas ações diretamente executadas pelos atores do FPES em seu conjunto. Abaixo, apresentam-se os objetivos desta política e alguns pontos na sua constituição que induziram um processo participativo. No documento da Senaes, registram-se os principais objetivos do CFES:

O presente Termo de Referência tem a finalidade de orientar a implantação e funcionamento de Centros de Formação em Economia Solidária – CFES, como instrumentos de estruturação e potencialização das diversas ações formativas que atendam às necessidades dos empreendimentos econômicos solidários. Pretende-se desenvolver e integrar ações de formação sistemática de agentes formadores (multiplicadores), de sistematização de conteúdos e metodologias de formação em ES, de documentação e publicação de material didático e informativo e de articulação em rede de entidades e agentes formadores/as em ES. (BRASIL, 2007, anexo 1, p. 1)

Assim, o documento orienta a implantação da política pública, colocando como enfoque o fortalecimento das ações de formação que já ocorrem junto aos empreendimentos. Para isto, visa promover a integração das ações dos agentes formadores, a sistematização de metodologias e conteúdos, e realizar publicações sobre o tema.

O documento também traz diversas orientações sobre como deve ser realizada a gestão das atividades e implementação dos CFES nas cinco regiões do Brasil e nacionalmente. Estas têm como base o processo como foi concebido, a partir do diálogo entre movimento e Estado, também descrito no documento:

Os Centros de Formação em Economia Solidária fazem parte das estratégias de uma Política Nacional de Formação em Economia Solidária. Essa proposta vem sendo construída há algum tempo, permeando os debates do Fórum Brasileiro de Economia Solidária e da SENAES/MTE. A Plataforma do Movimento da Economia Solidária propõe a criação de centros de referência onde sejam ofertados cursos para agentes da Economia Solidária. (Plataforma da Economia Solidária. Acesso no www.FBES.org.br). (...). (idem, p. 3)

Este trecho retoma os principais espaços de concepção do CFES, entre a Senaes e o FBES, que ocorreram na primeira e na segunda oficina nacional de formação em economia solidária (2005 e 2007) e na I Conferência Nacional de Economia Solidária.

Outra referência mais específica sobre a forma de gestão da política pública contida no documento está presente no item das diretrizes políticas e metodológicas da formação: “Gestão participativa: participação ativa e consciente de representantes da economia solidária (empreendimentos econômicos solidários, entidades de fomento e assessoria e de rede de gestores públicos) na coordenação e na concepção político pedagógica dos CFES” (idem, p. 4).

Para além desta referência mais ampla, o texto traz um ponto mais específico sobre a forma de gestão do CFES: “A gestão administrativa será atribuição direta da entidade executora do convênio que dá suporte ao funcionamento de cada um dos CFES. O debate e orientação da política e das ações implementadas pelos CFES será atribuição dos Conselhos de Gestão (...)” (idem, p. 9). Estes conselhos de gestão são: o nacional, cinco conselhos regionais e os coletivos estaduais de formadores.

No caso dos coletivos estaduais, “estas instâncias poderão ser criadas nos estados para planejamento participativo e avaliação das atividades do Centro e para articulação dos participantes dos projetos” (idem, p. 8).

O termo de referência também orienta as atividades do CFES para serem desenvolvidas por meio de cursos nacionais, regionais, estaduais e oficinas locais que têm como público os formadores da economia solidária. Outras indicações encontradas são referentes à carga horária média, conteúdos e o papel de cada atividade.

O IMS (Instituto Marista de Solidariedade) é a organização executora do CFES na região Sudeste. No estado de São Paulo, três entidades entraram como co-participantes: Anteag (Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão), Instituto Kairós e a ITCP-USP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade de São Paulo). Também foi composto no FPES um coletivo estadual de formadores, composto de formadores do poder público, das entidades de fomento à economia solidária e dos empreendimentos.

O CFES começou a ser implementado somente no início de 2009. Como representante da ITCP-USP participei das atividades até o final de 2010. Inicialmente, o papel das três entidades co-gestoras era: participar do conselho gestor regional do CFES, da equipe metodológica regional, viabilizar pessoas e estrutura para realizar as ações de formação de formadores no estado, animando o coletivo de formadores estadual e preparando as reuniões.

Assim, durante os anos de 2009 e 2010, o coletivo de formadores de São Paulo organizou quatro cursos estaduais e seis oficinas locais, além da participação no conselho gestor e equipe metodológica regional.

Gradativamente o papel das entidades co-gestoras foi sendo reduzido na realização das atividades formativas no estado e na participação das atividades regionais. Tal ocorreu, sobretudo por conta da apropriação dos processos por outros membros do coletivo estadual, principalmente, de logística e contato direto com a organização executora. O número de co-gestoras foi ampliado e o coletivo começou a pautar de forma mais concreta suas expectativas com o CFES, organizando-o mais de acordo com suas demandas.

2. Objetivos

A partir do problema de pesquisa e da hipótese priorizada neste projeto, fica estabelecido como objetivo geral do trabalho:

Verificar se as políticas federais de formação em economia solidária fortalecem o movimento de economia solidária, por meio do reconhecimento do FPES (Fórum Paulista de Economia Solidária) como ator central na realização da proposta do CFES no estado de São Paulo.

Para atingir este objetivo geral, será preciso realizar os seguintes objetivos específicos:

1. Descrever o histórico do CFES em São Paulo a partir de 2009, quanto: as ações de formação, variedade de atores, formas de participação e quanto aos tipos de decisões sobre utilização dos recursos, definição das metodologias, conteúdos e do público.

2. Identificar os objetivos do FPES, da organização executora e da Senaes, quanto ao CFES em São Paulo.

3. Explicitar a congruência entre os tipos de decisões tomadas e os objetivos dos diferentes atores.

3. Plano de trabalho e cronograma de execução

Para descrever o histórico do CFES em São Paulo, serão utilizadas as atas das reuniões mensais do FPES, as atas das reuniões do coletivo estadual de formadores, do conselho gestor regional, os relatórios das atividades de formação e serão realizadas entrevistas com os atores que participaram ativamente do processo.

Também por meio de entrevistas, buscar-se-á identificar os objetivos daqueles atores. Serão priorizados dirigentes das cerca de 20 organizações que integram o coletivo estadual de formadores do FPES, da organização executora e do Departamento de Formação da Senaes.

Estas tarefas requererão sustentação teórica, que será viabilizada pela proposição de um posicionamento diante de uma seleção e exame de leituras sobre o tema dos movimentos sociais, bem como sobre políticas em economia solidária.

Cronograma

Atividade

Bimestre

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Seleção e exame da literatura sobre movimentos sociais e economia solidária













Sistematização dos documentos sobre o histórico do CFES













Elaboração de roteiro de entrevistas













Redação de relatório científico anual













Redação da dissertação













Realização das entrevistas













Organização dos dados e análise das entrevistas













Realização do Exame de Qualificação













Defesa da dissertação













4. Material e métodos

Esta pesquisa tem caráter qualitativo e se constitui do estudo do caso do CFES. A seleção e exame da literatura sobre movimentos sociais e economia solidária serão feitos a partir dos resumos contidos no banco de teses da Capes, trabalhos completos disponíveis na internet (no sítio virtual do FBES e de bibliotecas universitárias do Brasil), bem como artigos de periódicos disponíveis na Scielo.

Os documentos para reconstituir a história de implementação do CFES no estado de São Paulo estão todos disponíveis em meio virtual nas páginas do FBES, da Senaes e no grupo de email do FPES, do qual sou integrante.

Para realizar as entrevistas com integrantes do coletivo estadual de formadores e coordenadores pedagógicos do CFES Sudeste, será feito contato por telefone, a partir do cadastro dos participantes, disponível no grupo de e-mails do FPES e dos contatos já estabelecidos com a equipe do IMS. Os depoimentos serão registrados em gravador portátil digital disponível na Feusp.

5. Forma de análise dos resultados

A análise se concentrará nos depoimentos obtidos a fim de evidenciar as variações da congruência entre decisões quanto à utilização dos recursos, definição das metodologias, conteúdos e do público; e objetivos dos atores do campo da formação afetada pelas políticas federais.

Os objetivos, por sua vez, serão apreciados em termos dos níveis de projeto propostos pelos atores sociais para o movimento de economia solidária, nos marcos da sociologia da ação (TOURAINE, 1999, 2002, 2007).

Para analisar os movimentos sociais, Touraine propõe colocar o enfoque nas ações coletivas e nos atores e em suas lutas. Em sua análise (1999), o sujeito vive o conflito da experiência de duas concepções distintas de individualidade na sociedade atual. A primeira é trazida pela lógica do mercado, a qual atua para além das fronteiras nacionais, das religiões e hierarquias sociais já estabelecidas. Por outro lado, é reforçada a cultura da construção da identidade a partir das experiências de vida.

A partir do trecho abaixo, de artigo no qual Gadea aborda o pensamento de Touraine, pode-se aprofundar a concepção de sujeito na obra do autor:

(...) o sujeito não é o indivíduo (no sentido liberal do termo), pois “ser sujeito” significa ter a vontade de ser ator, isto é, atuar e modificar seu meio social mais do que ser determinado por ele. Portanto, a liberdade do sujeito será construída em sua relação com o outro, na alteridade sistêmica acrítica, mas na sua busca do reconhecimento, na sua universalidade e na sua particularidade. (GADEA, 2005a, p. 8)

É na sociedade civil que ocorrem as ações coletivas para a emancipação dos atores sociais. Esta emancipação tem como sentido principal a construção de espaços de autonomia, nos quais o sujeito age diretamente, um espaço intermediário, seja em relação à lógica tecnicista e do mercado, ou às ideologias comunitaristas.

Sobre o conceito de movimento social, Touraine (2006 a) acredita ser proveitoso à análise se usado de forma mais restritiva, não definindo qualquer tipo de ação coletiva, mas sim às manifestações que na história tiveram este nome.

Seguindo esta conceitualização histórica, ele apresenta a seguinte imagem dos movimentos sociais:

(...) um movimento social é a combinação de um conflito com um adversário social organizado e da referência comum dos dois adversários a um mecanismo cultural sem o qual os adversários não se enfrentariam, pois poderiam se situar em campos de batalha ou em domínios de discussão completamente separados – o que impediria, por definição, tanto o conflito e o enfrentamento quanto o compromisso ou a resolução de conflito. (idem, p. 19) (grifo nosso).

Assim, para ele, a análise deve ser definida em termos de busca de participação no sistema político. Nesse sentido, sua análise tem como base os atores, seus pontos de vista, interesses específicos e formas de conflito, não atribui o sentido a priori das ações destes. “(...) a ideia de movimento social. se opôs ao pensamento que coloca a razão de ser das condutas coletivas nos problemas estruturais de um certo tipo de sistema, geralmente definido em termos econômicos (idem, p. 20).

O autor opõe o conceito de movimento social às revoltas contra pobreza, exploração e escravidão (1999). Pois, os movimentos sociais têm objetivos positivos como norte da ação, não se definindo a partir do que rejeitam. Estes visam estabelecer condutas culturais, afirmando que sua ação política está pautada pela prioridade do sujeito. Para além de uma luta social, o movimento se caracteriza por um projeto cultural associado ao conflito. Une-se, portanto, concepção e ação, o conflito e o sonho.

É a partir do aprofundamento desta concepção acerca das ações e movimentos sociais que a pesquisa terá subsídio teórico para a análise dos objetivos apresentados pelos atores para a política de formação, sendo apreciados em termos dos níveis de projeto propostos para o movimento de economia solidária.

6. Referências Bibliográficas

ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. 136 p.

BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho. A economia solidária como política pública: uma tendência de geração de renda e ressignificação do trabalho no Brasil. São Paulo, 2005. 305 p. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

BERTUCCI, Jonas de Oliveira. A produção de sentido e a construção social da economia solidária. Brasília, 2010. 255 p. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília.

BRASIL. I Conferência Nacional de Economia Solidária. Secretaria Nacional de Economia

Solidária. Anais. Brasília: SENAES/MTE, 2006.

________. Termo de referência para implantação dos centros de formação em economia solidária – CFES. Anexo 1. Brasília: SENAES/TEM, 2007.

CAPACLE, Camila. A política social de economia solidária: um estudo de caso do município de São Carlos, 2010. 169 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Carlos.

CUNHA, Gabriela Cavalcanti. Economia solidária e políticas públicas: reflexões a partir do caso do programa incubadora de cooperativas, da prefeitura municipal de Santo André - SP. São Paulo, 2009. 171 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

CRUZ, Antonio Carlos Martins da, A diferença da igualdade: a dinâmica da economia solidária em quatro cidades do Mercosul. Campinas, 2006. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas

_______. Políticas públicas para a economia solidária: fronteira entre política social e política para o desenvolvimento local. Pelotas: Revista Sociedade em Debate, nº 33. 2006 a p.117-139.

FBES. IV Plenária nacional de economia solidária: documento final. 2008. Disponível em: http://www.FBES.org.br acesso em 10/03/2011.

GADEA, Carlos A. A contribuição de Alain Touraine para o debate sobre o sujeito e democracia latino-americanos. Curitiba: Revista de Sociologia e Política, noviembre, nº 025. 2005 a. p. 39 a 45.

ICAZA, A. M. S. Políticas públicas e economia solidária no Rio Grande do Sul. In: FRANÇA FILHO, G. C.; LAVILLE, J. L.; MEDEIROS, A.; MAGNEN, J.P (orgs). Ação Pública e Economia Solidária: uma perspectiva internacional. Porto Alegre: Editora UFRGS.

MARCONSIN, Adauto Fernandes. Política pública de economia solidária: uma política em construção. São Paulo, 2008 Tese (Doutorado).

SCHIOCHET, Walmor. Políticas Públicas, Rio de Janeiro, 2009. In: CATTANI, A.D; LAVILLE, JEAN-LOUIS; GAIGER, L.I; HESPANHA, P. Dicionário internacional da outra economia. Coimbra: Edições Almedina SA.

SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. 2002. In: SANTOS, B. S (org) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de janeiro: Civilização Brasileira.

________, Economia Solidária como ato pedagógico, 2005, Brasília. In: KRUPPA, S. M. P. (Org.) Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasília: INEP; Ministério da Educação.

SOUZA, André R. A construção social e a investigação científica da economia solidária. Campinas, 2009. In: Anais do IV Encontro Nacional de Engenharia e desenvolvimento sustentável. Disponível em:

TOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos? Iguais e diferentes. Tradução de Jaime A. Clasen e Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 1997. 387p.

___________. Crítica da Modernidade. Tradução de Elia Ferreira Edel. Petrópolis: Vozes, 2002. 431p.

___________. Na fronteira dos movimentos sociais. Brasília: Revista Sociedade e Estado, v. 21, n°.1. 2006 a. p. 17-28.

___________. Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje. Tradução de Gentil Avelino Tritton. Petrópolis: Vozes, 2007.261p.



[1] A Senaes foi criada a partir da mesma articulação nacional de diferentes organizações que passaram a se identificar enquanto economia solidária a partir de encontros, desde 2001, nas edições do FSM (Fórum Social Mundial) e que, em 2003, criaram o FBES (Fórum Brasileiro de Economia Solidária).

[2] As primeiras ocorreram no início dos anos 1990, no Estado do Rio Grande do Sul, inicialmente em Porto Alegre, depois expandiram-se a outros municípios do Estado (ICAZA, 2006). Também nos anos 1990 são identificados programas de economia solidária nos municípios de Santo André, São Paulo e de outros governos principalmente pelo Partido dos Trabalhadores. As ações de governos municipais que foram reconhecidas como de economia solidária, segundo Cruz (2006 artigo) são políticas alternativas ao desemprego, que apresentam um grande diferencial em relação às políticas compensatórias ao dependerem necessariamente da generalização de uma cultura que se alimenta do exercício da democracia direta e de condições econômicas precárias.

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