quarta-feira, 4 de maio de 2011

Relações, retóricas e reações (des)construídas, de Tania Pedrina Portella

Relações, retóricas e reações (des)construídas: articulações entre a comunidade escolar, sociedade e gestão publica no cumprimento da LDB alterada em janeiro de 2003.







Projeto de pesquisa para mestrado em Educação

a ser analisado pelos alunos da disciplina

Projetos de Pesquisa: Leituras Sobre Métodos e

Técnicas na Sociologia da Educação







Linha de pesquisa: Sociologia da Educação

Orientadora: Flávia Inês Schilling



Tania Pedrina Portella

São Paulo, maio de 2011

Título

Relações, retóricas e reações (des)construídas: articulações entre comunidade escolar, sociedade e gestão pública no cumprimento da LDB alterada em janeiro de 2003.

Resumo

Este estudo tem como objetivo investigar e mapear as ações que foram propostas e impulsionadas pela secretaria municipal e pela secretaria estadual de educação, na cidade de São Paulo, para cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para Educação das Relações Raciais a partir de janeiro de 2003.

A partir da análise das ações mapeadas o estudo pretende responder: se na cidade de São Paulo existe uma práxis coletiva entre o poder público, a escola e a sociedade civil para a implementação das DCNs; quem são os propositores e gestores das ações nas secretarias e nas escolas; se a comunidade escolar foi envolvida nesse debate (observando o princípio da gestão democrática) e quais as percepções de gestores (público e escolar) e integrantes da comunidade escolar sobre o tema após participarem da realização das ações.

A pesquisa prevê contribuir com os trabalhos já realizados sobre educação e relações etnicorraciais que advertem sobre a baixa produção acadêmica nesta área, principalmente considerando gestores, pais/responsáveis e funcionários das escolas (que não sejam professores) como sujeitos de ação. Prevê ainda contribuir para ampliar o número de análises sobre a efetivação de ações de políticas públicas para este tema bem como o contexto que interfere em sua configuração. Esta é uma proposta de análise documental e empírica com base etnográfica.

Introdução

A gestação desta proposta de pesquisa teve início nas primeiras aulas que assisti sobre o período escravocrata, não assimilava como pertinente a idéia de que homens e mulheres tinham na humilhação e no conformismo as únicas possibilidades de aparição na história do país. Alguns anos depois, passei a entender que as ausências de informações sobre a população negra impediam que eu completasse a construção de minha própria identidade. O entendimento traduziu-se na inquietação que no início da graduação me incitou a buscar informações para preencher algumas lacunas e por consequência descobrir autores como Octavio Ianni, Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento, que ampliaram meu repertório sobre a história, socialização e atuação da mulher negra e do homem negro no Brasil.

Há oito anos, agreguei a essa trajetória uma vivência na área de Direitos Humanos ao ser convidada para participar, como pesquisadora e redatora, na elaboração do Guia de Fontes em Direitos Humanos para jornalistas (publicado pela Agência de Notícias pelos Direitos da Infância - Andi e pela Conectas Direitos Humanos) onde me dediquei aos temas Afrodescententes, Mulheres e Educação. Em seguida passei a atuar mais especificamente na área da Educação ao ingressar como assessora no Observatório da Educação da Ação Educativa, uma organização dedicada à defesa do direito à educação pública de qualidade.

Em 2003, foi promulgada a lei 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional com a inserção os artigos 26A e 79B que estabeleceram a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afrobrasileira na educação publica e privada do país. Desde então e até janeiro de 2011, parte significativa das atividades que desenvolvi na Ação Educativa foram relacionadas às ações de entendimento (com leituras sobre o tema e diálogo com educadores e especialistas da questão), ampliação do debate público (por meio de proposição de palestras, seminários e grupos de discussão envolvendo também a participação de jornalistas) e acompanhamento da nova exigência da LDB (com a participação em atividades promovidas por universidades, poder público, escolas e análise do que era publicado a respeito da implementação dos artigos 26A e 79B da LDB nos jornais e revistas de maior circulação do país).

Por esta atuação profissional na área da Educação com o tema, em 2004 fui convidada a participar da reunião de trabalho na UFSCar, organizada pela professora Petronilha Beatriz Gonçalvez e Silva, então conselheira do Conselho Nacional de Educação. A reunião tinha por objetivo agregar esforços de vários segmentos da sociedade (CNE, universidades, ONGs, Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras, Undime, entre outros) na construção da agenda para implementação da LDB alterada. Concomitante a esse trabalho, em 2005 produzi a monografia: O Jornalismo impresso e a Lei 10.639/03, análise de cobertura jornalística. Na pesquisa abordei o tema Educação a partir da alteração da LDB, com o acréscimo dos artigos 26A e 79B.

Em 2005 e 2006 coordenei as equipes de campo de São Paulo e Salvador para a realização de uma consulta à comunidade escolar sobre as percepções do racismo e do estudo de história e cultura africana e afrobrasileira no ambiente escolar. A consulta Foi organizada na publicação Igualdade das relações étnico-raciais na escola: possibilidades e desafios para a implementação da Lei 10.639/03; e sob minha coordenação foi divulgada e distribuída em 10 lançamentos regionais para as principais regiões do país.

Em 2008 fui convidada a integrar o rol de convidados e especialistas para o workshop de iniciativa da Secad/MEC e da Unesco com a finalidade de levantar e avaliar o estágio de implementação da lei 10.639/03 pelo país. Os representantes de Neabs, pesquisadores e professores das universidades, sociedade civil e secretarias de educação de todas as regiões do Brasil apontaram a insuficiência de dados e a necessidade de ampliar o quadro de pesquisas acadêmicas sobre o campo para mapear, caracterizar e avaliar a implementação da LDB alterada. Ainda a convite da Secad/MEC e Unesco participei na equipe de relatoria dos Diálogos da região sudeste e do Encontro Nacional que deu início ao processo de construção do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana, lançado em 2009.

Com o cenário que se configurou a partir das demandas por produção de conhecimento para o tema e o lançamento do Plano Nacional para Implementação das DCNs foi que retomei um desejo antigo de ingressar em um programa de pós graduação e encaminhar meus estudos acadêmicos para a área da Educação. Então em 2009 iniciei uma empreitada para concretizar tais planos, me inscrevi e concorri com outros 900 candidatos em processo de seleção para uma bolsa de estudos que permitisse a dedicação exclusiva ao programa de pós graduação. Fiquei entre os 48 finalistas contemplados pelo Internacional Fellowships Program - IFP e agora disponho da oportunidade de me dedicar exclusivamente ao desenvolvimento da pesquisa sobre a implementação da alteração da LDB durante os anos de 2011 e 2012.

Portanto, a proposta de pesquisa que apresento é resultado da trajetória descrita, composta pelo acúmulo de sete anos de trabalho contínuo no acompanhamento desta alteração da LDB, no escopo das minhas atividades profissionais, participação em momentos de diálogos entre universidades, sociedade civil e poder público, consulta aos atores das escolas da rede pública de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador e vivência com os movimentos sociais pela Educação e com o movimento social negro.

Todo o percurso, passando pela rede de contatos estabelecidos e as leituras realizadas com foco na LDB, sempre foi desenvolvido como experiência reflexiva que permitisse compartilhar e apreender ensinamentos que iluminassem o caminho a ser percorrido em busca de compreender e colaborar com a construção de conhecimentos. Produções que possam dialogar ou cooperar com a proposição de ações e políticas públicas e que auxiliem na melhoria da construção da identidade individual e coletiva e nas relações estabelecidas no ambiente escolar a partir de um novo entendimento da história do negro na educação básica do Brasil.

Os estudos sobre a situação do negro no Brasil não constituem uma novidade para as áreas da antropologia e da sociologia, que abordam esse tema desde o final do século XIX. Entre as décadas de 1950 e 1970, autores como Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura e Lélia Gonzales, refletiam sobre relações raciais a partir da quebra do mito da democracia racial e do cruzamento entre as categorias raça e classe, análises de bases demográficas bem como contextualizações e abordagens históricas, políticas e da articulação gênero e raça.

As abordagens desses estudiosos deram visibilidade às desigualdades estabelecidas na sociedade brasileira e às implicações sobre as relações raciais brasileiras que eram apontadas há muito tempo por atores do Movimento Negro (MN).

As relações raciais estão enraizadas na vida social de indivíduos, grupos e classes sociais. As desigualdades sociais frequentemente se manifestam em estereótipos, e nas intolerâncias, polarizadas em torno de etnias e em outras diversidades sociais assim como as de gênero, religiosas e outras. (Octávio Ianni, 2004)1

Porém, as constatações e reflexões sobre fatos e dados não foram e não são suficientes para a superação das desigualdades e transformação das relações raciais estabelecidas.

Levantar os processos históricos agregados aos aspectos políticos, econômicos e sociais que resultaram na exclusão de alguns segmentos da população dos centros de poder decisórios e na contínua presença desses grupos, majoritariamente, nos índices de inacessibilidade aos direitos fundamentais, possibilitou a constatação de que a desigualdade entre os grupos negros e brancos da população foi naturalizada, é socialmente estruturante e está cristalizada em todos os setores da sociedade. Desse modo, não foi difícil observar que essa prática se estendia também a área da educação.

A constatação deste quadro por parte de outros setores para além do MN (como Unesco, ONGs do campo da educação, agências e fundações que fomentam pesquisas), evidenciou a posição das organizações negras de caráter civil que há várias décadas afirmam que a seletividade do modelo educacional vigente afasta a classe popular (majoritariamente negra) do processo ensino-aprendizagem. No período compreendido entre as décadas de 70 e 90, o MN e o Movimento de Mulheres Negras (MMN) atuaram de maneira mais incisiva para tentar influenciar mudanças no âmbito do sistema educacional e para incluir a história do negro no currículo escolar. Essa atuação culmina em 1995, com a Marcha Zumbi dos Palmares, quando 30 mil pessoas foram a Brasília e entregaram à presidência da República um documento pleiteando políticas para combater a desigualdade.

Seis anos depois, durante a III Conferência Mundial Contra o Racismo, ocorrida em Durban, África do Sul, de 30 de agosto a 07 de setembro de 2001, o governo brasileiro apresentou propostas e assumiu o compromisso internacional de implementar medidas de ações afirmativas para combater o racismo e as desigualdades no Brasil (Carta de Durban, 2001). Essa postura foi tomada em decorrência das pressões e reivindicações do MN e do MMN, que há décadas lutam por medidas de combate às desigualdades raciais e por transformar as relações raciais do país, particularmente na área da educação.

Ainda que seja longa a trajetória da sociedade civil no combate às desigualdades, as medidas universalistas, por não atenderem as especificidades dos grupos subalternizados, e as recentes mudanças nos marcos legais no campo das políticas públicas, por falta de ações estruturantes que as sedimente, pouco refletiram na evolução para a equidade no quadro educacional.

De acordo com os Indicadores Sociais 2008, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em relação às taxas de analfabetismo, de analfabetismo funcional e de freqüência escolar, verifica-se que as mesmas continuaram apresentando diferenças significativas, nos últimos dez anos, entre os níveis apresentados pela população branca e os apresentados pela população preta e parda, estas últimas persistentemente menos favorecidas. Em números absolutos, em 2007, dos pouco mais de 14 milhões de analfabetos brasileiros, quase 9 milhões são pretos e pardos, demonstrando que para este setor da população a situação continua muito grave.

Em termos relativos, a taxa de analfabetismo da população branca é de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou mais de idade, sendo que estas mesmas taxas para pretos e pardos superam 14%, ou seja, mais que o dobro que a de brancos. Um outro indicador é o conceito de analfabetismo funcional, que engloba as pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos completos de estudo, ou seja, que não concluíram a 4a série do ensino fundamental.

Devido ao empenho de alguns grupos, criados em Universidades, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs), várias pesquisas têm demonstrado que o racismo e as relações raciais no ambiente escolar configuram um dos ingredientes que contribuem para a evasão e o fracasso escolar de alunos negros.

É imprescindível, portanto reconhecer esse problema e combatê-lo no espaço escolar. É necessária a promoção do respeito mútuo, o respeito ao outro, o reconhecimento das diferenças, a possibilidade de se falar sobre as diferenças sem medo, receio ou preconceito. (CAVALLEIRO, 2006)

É neste contexto político, histórico e social que o campo da educação é novamente colocado na agenda pública como um dos caminhos fundamentais para promover o respeito à diversidade e a igualdade nas relações etnicorraciais. Nesse sentido é preciso entender a escola não apenas como uma instituição que forma indivíduos através de ensino e aprendizagem de métodos e valores universais. Mas entender o papel da escola, como afirma Durkheim (2007), nos processos conhecidos como socialização, que no caso dessa proposta de estudo, diz respeito à articulação e socialização de indivíduos e grupos coletivos oriundos de diversos segmentos da sociedade a partir das relações raciais e da educação como um direito social e processo de desenvolvimento humano.

Justificativa

Em 2009 foi lançado o Plano Nacional de Implementação das DCNs para Educação das Relações Raciais e sua efetivação figura como uma das grandes demandas no relatório final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010. Tanto o Plano de Implementação das DCNs quanto o relatório da CONAE pautaram o Plano Nacional de Educação (PNE), que vigora entre os anos de 2011 e 2021, para que sejam estabelecidas ações, com prazos e metas para ensino de história e cultura afrobrasileira e educação das relações etnicorraciais na escola.

O engajamento de variados setores como os programas de algumas universidades que inseriram a questão racial em cursos de formação; o Ministério Público que em vários estados e municípios indaga as secretarias de educação sobre as ações que estão propondo para a LDB alterada; as ONGs do campo da educação que não tem origem no MN que iniciaram ações no campo das relações raciais; as Agências Multilaterais que financiam ações e promovem momentos de debate sobre o tema, entre outros; parecem indicar que efetivação da prática de uma educação comprometida em formar uma sociedade menos desigual passa pelo compromisso e a responsabilidade de toda a sociedade em cumprir esta tarefa.

A ampliação do debate com a participação de novos sujeitos pode favorecer as articulações necessárias entre a comunidade escolar, a sociedade e a gestão pública para efetivar o cumprimento dos marcos legais que este projeto trata e que já estavam previstos nos tratados internacionais assinados pelo Estado brasileiro, como o Plano de Ação de Durban, para combater o racismo e promover a igualdade de oportunidades entre os diferentes grupos étnicos que compõem a sociedade brasileira.

Como resposta aos compromissos mencionados, algumas iniciativas voltadas para as populações negra e indígena no campo da educação estão em curso no Brasil. Uma das conquistas na educação formal são as medidas na educação escolar indígena, principalmente na região Norte do país, que visam incentivar a formação de educadoras(es) indígenas e a construção de uma estrutura escolar mais próxima da realidade e da cultura local2. Outra significativa conquista é a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira que insere a obrigatoriedade do estudo de história e cultura afro-brasileira e africana em todo o ensino nacional, público e privado.

Em 2003, a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva foi indicada pelos MN e MMN a ocupar lugar no Conselho Nacional de Educação. A atuação da pesquisadora e especialista em Educação e Relações Étnico-Raciais possibilitou a aprovação da lei 10.639/03 e a homologação do parecer que origina as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (Gomes, 2004).

A alteração da LDB provocou reflexos na produção acadêmica sobre negro e educação já a partir de 2003 (Silvério, 2003), fato que foi observado por meio da análise dos resumos dos trabalhos apresentados na área de educação do IV e do V Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, realizados respectivamente em Salvador em 2006 e em Goiânia em 2008. Uma parcela significativa desses trabalhos foi dedicada à abordagem de vários aspectos da aplicabilidade da lei 10.639/03.

A observação dos trabalhos apresentados, tanto no Congresso de Pesquisadores Negros quanto em recentes levantamentos bibliográficos sobre negro e educação e em análises de teses e dissertações produzidas nos programas de pós graduação sobre educação e relações raciais, indicam que a produção da temática voltada para as relações raciais é foco de investigações em vários centros de pesquisas e vem sendo ampliada nas últimas décadas. Mas esta ampliação ainda é tímida, se for analisada no escopo de todas as produções acadêmicas realizadas no campo da educação, e está longe de esgotar o tema e de se traduzir em mudanças nas práticas e nas relações cotidianas das escolas.

Em novembro de 2007, o escritório da Unesco no Brasil e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC) convidaram Universidades, sociedade civil organizada, organizações do movimento negro e educadores e gestores em instâncias municipal, estadual e federal ativamente envolvidos com o tema, para verificar as várias situações e condições da implementação da Lei 10.639/03, com base nas ações desenvolvidas por seus diferentes atores.

A constatação do grupo foi que existiam várias ações em andamento espalhadas pelo país, muitas delas ainda eram iniciativas que não foram institucionalizadas nem pela escola e nem pela gestão pública, assim como outras que eram incentivadas pelo poder público local e não tinham articulação com as esferas estaduais e nacional.

Este mesmo grupo ainda explicitou a existência de uma lacuna na definição de estratégias para implementação da lei e também no mapeamento, no monitoramento e avaliação das iniciativas já existentes. Uma reflexão praticamente consensuada entre os pesquisadores do tema, foi sobre a importância da contribuição de toda a sociedade brasileira para que as mudanças propostas pela alteração da LDB não se percam no campo dos discursos sem as efetivas ações necessárias para que sejam colocadas em prática. Esse encontro foi o início da gestação da proposta que impulsionaria a constituição do Plano Nacional de Implementação das DCNs e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana que foi lançado em 2009.

Conhecer as questões de fundo que problematizam a implementação da LDB alterada é um exercício que caminha para a descoberta de várias dimensões que de uma forma ou outra podem se entrecruzar no quadro de reflexões sobre educação e relações raciais:

1 – Abarca a disputa de uma forma diferente de contar a história oficial a partir da assimilação de novos paradigmas, ou seja, abrir espaço para a recuperação do negro como sujeito de conhecimento e rever valores, conceitos e a hierarquização dos espaços de poder na produção de conhecimento, na formação social, política e econômica do país.

2- Discute a garantia do direito à educação de qualidade, que na última década passou a ser composto de novos fatores que identificam o que é educação de qualidade, entre eles o da valorização das relações e da representatividade da diversidade.

3- Envolve a concepção de novos sujeitos políticos que estão alavancando novos direitos, como forma de realização plena da cidadania, ao propor a adequação da prática educacional por meio da alteração do marco legal que rege a educação nacional.

4- Envolve a reflexão sobre se longe de promover a construção de uma outra história essa abordagem pode promover a reiteração de um conjunto de estereótipos latentes no imaginário comum do que é a cultura negra legitimados sob a égide da valorização desta cultura.

Enfim, ao pesquisar as características das ações impulsionadas pelas secretarias de educação na cidade de São Paulo, este projeto se propõe a abordar pequenos aspectos de uma proposta ampla e complexa, que vai muito além da revisão histórica. É uma proposta que quer a transformação dos olhares, do entendimento dos saberes e das práticas, não apenas referentes aos conteúdos pedagógicos, mas nas relações cotidianas entre as pessoas que estão dentro e fora da escola e devem se perceber – e perceber o outro – em novos lugares.

Nesse sentido, além de autores da área da educação e relações raciais, como Valter Roberto Silvério (2003), Petronilha Beatriz Gonçalvez e Silva (2003), Kabenguelê Munanga e Nilma Lino Gomes (2004) e Eliana Cavalleiro (2001) e (2006), a proposta toma como referencial teórico, entre outros autores, as considerações de Sérgio Haddad e Maria Malta Machado (2006) sobre o Direito Humano à Educação Escolar Pública de Qualidade que discutem o tema a partir das reformas educionais dos anos 90 e da ampliação dos direitos sociais em 1988 e as reflexões de Elie Ghanem (2004) sobre a representação das diferentes categorias sociais no sistema escolar e autonomia escolar e gestão escolar democrática a partir do incentivo aos mecanismos institucionais de participação.

Sustentações teóricas que vão embasar as reflexões a respeito das características das ações impulsionadas pelas secretarias de educação e as possíveis relações tecidas entre a gestão, a escola e a sociedade em função das mesmas, bem como as percepções e as várias questões que se vêem nelas imbricadas.

Examinar e contextualizar as ações propostas e os atores envolvidos a partir dessa lente é traduzir a escola em arena privilegiada para as aprendizagens significativas e para a prática dos valores democráticos e de valorização dos indivíduos em suas mais variáveis dimensões.

A educação constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformação de um povo e é papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de gurpos e minorias. Assim, a educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania de um povo. (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, 2004: 7)



Esse levantamento deve contribuir para o preenchimento de lacunas apontadas por trabalhos anteriores como a análise de dissertações e teses sobre educação e relações raciais nos programas de pós-graduação, defendida por Kátia Evangelista Regis, na PUC-SP em 2009, indicando é baixa a produção de pesquisas nos programas de pós-graduação para o tema; são poucos trabalhos que discutem as instituições privadas; é menor a incidência de participação da equipe gestora ou de pais e responsáveis e notadamente ausente a voz de trabalhadores da educação que não integram a equipe pedagógica; poucas pesquisas analisam a efetivação das DCNs e as pesquisas suscitam questões sobre os contextos que interferem na implementação da lei bem como sobre a definição das orientações e ações nas redes oficiais de ensino a partir das secretarias.

Os trabalhos de Lucimar Rosa Dias (2007) e Camila Fernanda Saraiva (2009) e Rosana Batista Monteiro (2010) indicam a lacuna existente na produção de análise das ações de políticas públicas desenvolvidas para a efetivação dos artigos 26A e 79B da LDB e das DCNs para Educação das Relações Étnico Raciais e estudo de História e Cultura Africana e Afrobrasileira.



Objetivo

Investigar e mapear as ações que foram propostas e impulsionadas pela secretaria municipal e pela secretaria estadual de educação para cumprir as DCNs para Educação das Relações Raciais na cidade de São Paulo a partir de janeiro de 2003.

Objetivos específicos

Saber se na cidade de São Paulo existe uma práxis coletiva entre o poder público, a escola e a sociedade civil a partir de dados sobre as ações propostas para o estudo do tema;

Entender quem são os propositores e gestores das ações nas secretarias e nas escolas;

Observar se a comunidade escolar foi envolvida na proposição e/ou implementação das ações;

Auferir as percepções de gestores (público e escolar) e da comunidade escolar (principalmente pais/responsáveis e funcionários da equipe técnica e de apoio) sobre o tema, após participarem da implementação das ações.

Hipótese

Esta proposta parte da concepção do papel socializador da escola e tem por hipótese que a implementação do artigo 26A da LDB (que versa sobre o ensino de história e cultura afrobrasileira) obterá maior êxito por meio da articulação entre o poder público, a universidade, a sociedade civil e a comunidade escolar.





Material e Métodos

Além de consultas bibliográficas e a dissertações, teses e sites, a pesquisa será desenvolvida por meio de consultas a documentos oficiais da Secretaria Estadual e da Secretaria Municipal de Educação (como orientações curriculares, planejamentos, oferta de formação aos profissionais de educação, ações publicadas em diário oficial) que serão solicitados junto à coordenação estadual e núcleo municipal que tratam da questão racial nas secretarias de educação de São Paulo e documentos (projeto político pedagógico, planejamento de atividades, planejamento de hora trabalho pedagógico coletivo) de 2 a 4 unidades escolares da cidade que apresentem indicativos de que abordam a questão em seus processos educacionais. Essas ações nortearão o levantamento e categorização das ações propostas e desenvolvidas por estas instâncias para a implementação da LDB alterada.

O trabalho prevê uma abordagem de caráter empírico por meio de entrevistas com as pessoas envolvidas nesse processo: gestores públicos e escolares, familiares/responsáveis, equipe técnica e de apoio das escolas e, se pertinente, com representantes de 1 ONG que tenha estabelecido parceria com as escolas no contexto da implementação da lei. As entrevistas têm como objetivo identificar o grau de articulação entre os sujeitos e instituições para a proposição e efetuação das ações e observar as percepções desses sujeitos a partir de seu envolvimento nesse processo.

Se houver pertinência e necessidade, a pesquisa deve acompanhar e observar presencialmente uma ou duas práticas que estejam em desenvolvimento no ambiente escolar. Procurando contemplar, junto com as entrevistas mencionadas, os diferentes aspectos e abordagens sobre as práticas em exercício com foco nas relações raciais no ambiente escolar.





Análise dos Resultados

As informações auferidas nas fontes documentais serão compatibilizadas e analisadas a partir de algumas categorias a serem estabelecidas a partir da incidência em que aparecerem no decorrer do estudo e o levantamento empírico poderá trazer informações sobre as visões institucionais, os processos de escolha das escolas e dos atores envolvidos, a capacidade aglutinadora dos processos e a constituição da autonomia e participação das iniciativas.

A análise dos resultados abordará os aspectos qualitativos dos dados levantados na medida em que se propõe a dialogar com os referenciais teóricos que sustentam as principais reflexões e problematizações propostas pelo trabalho e dos conhecimentos produzidos sobre Educação das Relações Raciais. Também será realizada uma análise em aspecto quantitativo, com o propósito de apresentar um breve quadro do perfil das ações propostas e impulsionadas pela gestão pública em São Paulo.



Plano de Trabalho e Cronograma de Execução

1 – primeiro semestre: Cumprir duas disciplinas que sejam pertinentes e auxiliem o aperfeiçoamento do projeto e seu plano de execução e também o aprimoramento do quadro teórico. Revisão teórica e leituras complementares. Planejamento preliminar da estrutura do relatório da pesquisa, do conteúdo dos capítulos e definição do trabalho de campo e dos sujeitos a serem entrevistados. Iniciar a redação do relatório de pesquisa.

2 – segundo semestre: Cumprir duas disciplinas pertinentes ao tema e que auxiliem a execução da pesquisa, leitura da bibliografia e planejamento das entrevistas. Contato com as secretarias de educação de São Paulo, com as escolas e com os entrevistados definidos. Desenvolvimento preliminar dos capítulos da dissertação.

3 – terceiro semestre: finalizar leituras, coleta dos documentos das secretarias e das escolas. Análise documental, trabalho de campo, realização das entrevistas e redação de capítulos da dissertação.

4 – quarto semestre: finalizar trabalho de campo e análise do trabalho de campo, redação da conclusão e da versão final da dissertação e revisão de texto. Inscrição para qualificação.

5 – quinto semestre: Depósito e defesa.



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2Uma nova alteração da LDB foi proposta em 2008 para inserir a história e cultura indígena no ensino brasileiro.

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