Palestra ESPM
Programa de Pós-Graduação
14 de Abril de 2011
Título - Pierre Bourdieu e a produção do gosto
Agradecimentos
Em primeiro lugar gostaria de agradecer aos coordenadores do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Consumo, da ESPM, que me convidaram para vir aqui conversar com vcs.
É realmente um prazer falar de um assunto que me de total interesse.
Ou seja, a sociologia de Pierre Bourdieu.
Desafio
Não obstante, meu contentamento não é completo pois tenho apenas poucos minuntos para falar de um autor extremamente importante no mundo acadêmico contemporâneo.
Bourdieu é considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas e um dos mais importantes pensadores do século XX.
Costumo falar com meus alunos que atualmente só se faz sociologia sendo ou a favor ou contra Bourdieu.
Minha tarefa, portanto, não é muito fácil, pois, tenho pouco tempo para discorrer sobre uma das obras mais instigantes e polêmicas da atualidade.
Estrutura da palestra
Neste sentido, vou ter que fazer algumas opções bastante objetivas sobre quais aspectos de sua sociologia devo abordar. O que devo privilegiar?
Elegi para hoje dois elementos da obra de Bourdieu que creio podem despertar interesse entre vcs, numa palestra para profissionais da área de comunicação e consumo.
O primeiro deles se refere à sua forma de fazer sociologia, isto é, vou discorrer sobre sua postura intelectual frente a sua atividade profissional, a sociologia, e como desdobramento a forma como ele concebe o funcionamento da sociedade.
O segundo aspecto é sobre sua teoria da produção do gosto. Mais especificamente, porque Bourdieu põe em xeque a famosa frase conhecida por todos nós “ Gosto não se discute”.
E por fim, vou tecer alguns comentários sobre a importância de sua contribuição para a sociologia da cultura contemporânea.
A sociologia de Pierre Bourdieu – 1927 a 2002.
Para Bourdieu a sociologia é uma ciência que incomoda.
Diferente de suas ciências ou disciplinas irmãs, como a história, a psicologia e ou a filosofia, entre outras, a Sociologia para Bourdieu é uma ciência bastante contestada porque ela tende a interpretar os fenômenos sociais de maneira crítica.
Ela procura desvendar, interpelar ou questionar consensos há muito arraigados na experiência do cotidiano de cada um de nós.
Para Bourdieu a sociologia deve aproveitar uma herança acadêmica, deve se apoiar nas teorias sociais desenvolvidas pelos grandes pensadores das ciências humanas, deve ainda fazer uso de técnicas estatísticas e etnográficas, bem como deve se apropriar de procedimentos metodológicos sérios e vigilantes para se fortalecer enquanto ciência a serviço da humanidade.
E foi exatamente estes elementos que ele fez uso para construir sua obra.
Bourdieu faz de seu trabalho acadêmico e intelectual uma arma política, faz de sua sociologia uma sociologia engajada, profundamente comprometida com um discurso crítico, denunciando os mecanismos de uma sociedade injusta e marcada por relações de dominação material e simbólica.
Para Bourdieu a sociedade capitalista é uma sociedade hierarquizada, ou seja, uma sociedade organizada segundo uma divisão de poderes extremamente desigual.
Mas como se organiza esta distribuição desigual de poderes? Como a sociedade capitalista consegue manter os grupos sociais e os indivíduos hierarquizados?
Ou, em outras palavras, como se perpetua uma situação de dominação entre os grupos sociais?
Tentarei responder, mesmo que brevemente, estas questões tão espinhosas.
Bourdieu tem uma concepção sistêmica do social.
Ou seja, a estrutura social para ele é vista como um sistema hierarquizado de poder e privilégio, poderes e privilégios determinados tanto pelas relações materiais e/ou econômicas como pelas relações simbólicas e/ou culturais entre os indivíduos.
Para ele, a diferente localização dos grupos nesta estrutura social deriva da desigual distribuição de recursos e poderes de cada um.
Por recursos ou poderes, Bourdieu entende, mais especificamente, o volume de capital econômico (renda, salários, imóveis), o volume de capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), bem como o volume de capital social, (relações sociais que podem ser revertidas em capital, relações que podem ser capitalizadas) e por fim, capital simbólico, o que vulgarmente chamamos prestígio ou honra.
Assim, a posição de privilégio ou não privilégio ocupada por um grupo no campo social é definida de acordo com o volume e a composição de um desses capitais adquiridos e/ou incorporados ao longo de suas trajetórias sociais, ao longo dos processos educativos ou socializadores.
Noutras palavras, para apreender concretamente as interações objetivas e hierarquizadas entre os indivíduos, Bourdieu afirma que é preciso observar as posições que os grupos sociais ocupam segundo uma distribuição desigual de recursos econômicos, culturais e simbólicos.
Para os nossos interesses aqui, poderia acrescentar ainda que para Bourdieu um dos maiores responsáveis pela manutenção desta ordem social injusta e hierarquizada deriva não só da má distribuição mas sobretudo da forma de transmissão destes poderes,
E denuncia, uma das maiores responsáveis por esta transmissão desigual de poderes é a escola.
Neste sentido, Bourdieu põe em discussão então um dos consensos mais estabelecidos e consolidados pela ciência do século XX. Ou seja, pôs em xeque o caráter democrático da escola. Para Bourdieu, a escola não se comporta como uma instituição democrática, ela é uma instituição que contribui para a promoção da perpetuação da dominação.
A produção do gosto
Passemos agora para o segundo aspecto a ser desenvolvido.
Nas décadas de 60 e 70, do século passado, Bourdieu se envolve em uma série de pesquisas de caráter qualitativo e quantitativo sobre a vida cultural, sobre as práticas de lazer enfim, uma série de pesquisas sobre o consumo de cultura entre os europeus e, sobretudo, entre os franceses.
Destas experiências de investigação Bourdieu publica, em 1976, uma grande pesquisa intitulada Anatomia do Gosto. Mais tarde, esta mesma pesquisa passa a ser objeto de publicação de sua obra prima, publicado em 1979, o livro intitulado, La distinction – critique sociale du jugement. A distinção – critica social do julgamento.
Nestas duas obras, Bourdieu e, sua equipe de pesquisadores, tentam explicar e discutir a variação do gosto entre os segmentos sociais.
Isto é, analisando a variedade das práticas culturais entre os grupos, Bourdieu acaba por afirmar que o gosto cultural e os estilos de vida, de cada um dos grupos pesquisados, a burguesia, as camadas médias e o operariado, ou seja, as maneiras de se relacionar com as práticas da cultura destes sujeitos estão profundamente marcadas pelas trajetórias sociais, estão profundamente marcadas pelas experiências vividas por cada um deles,
Mais especificamente Bourdieu afirma que as práticas culturais são determinadas, em grande parte, pelas trajetórias educativas e socializadoras dos grupos.
Ou seja, Bourdieu afirma causando um grande mal estar na época que o gosto cultural é produto e fruto de um processo educativo, ambientado na família e na escola e não fruto de uma sensibilidade inata dos sujeitos sociais.
Em outras palavras, punha em discussão, desafiando várias autoridades, um consenso muito em voga, isto é, a crença de que gosto e os estilos de vida, seriam uma questão de fórum íntimo e uma questão individual de cada um de nós.
Para Bourdieu, ao contrário, gosto é resultado de imbricadas relações de força, relações de força poderosamente alicerçadas nas estruturas institucionais da sociedade capitalista.
Para fundamentar esta afirmação, nosso autor, argumenta que a família e a escola são instituições responsáveis pelas nossas competências culturais ou gostos culturais
De um lado, chama a atenção para o aprendizado precoce e insensível, efetuado desde a primeira infância, no seio da família, e prolongado por um aprendizado escolar que o pressupõe e o completa (aprendizado mais comum entre as elites).
De outro, o aprendizado tardio, metódico e acelerado, aprendizados estes adquiridos fora do ambiente familiar, ou seja, adquiridos nas instituições de ensino, disponibilizado principalmente para as camadas menos favorecidas.
Assim, para Bourdieu a distinção entre esses dois tipos de aprendizado, o familiar e o escolar, refere-se a duas maneiras de adquirir bens culturais e simbólicos e com eles se familiarizar.
Ou seja, os aprendizados efetuados nos ambientes familiares caracterizar-se-iam pelo seu desprendimento e invisibilidade, garantindo a seu portador um certo desembaraço na apreensão e apreciação cultural;
e, por sua vez, o aprendizado escolar, tardio e sistemático caracterizar-se-ia por ser voluntário e consciente, garantindo a seu portador uma pretensão cultural e um desembaraço forçado.
Essas duas formas de aprendizado seriam responsáveis, pois pela formação do gosto cultural dos indivíduos.
É, especificamente, o que se chama “capital cultural incorporado”, isto é, uma predisposição a gostar de determinadas práticas, uma tendência desenvolvida em cada um de nós, quase uma segunda pele, uma segunda natureza, que estaria ligada ao corpo por isso incorporada, e suporia a interiorização e uma total identificação de informações e saberes com nossas práticas culturais cotidianas
Um capital cultural, portanto, fruto de um trabalho de assimilação, aculturação conquistado a custa de muito investimento, tempo, dinheiro e desembaraço, como diria ele, um gosto de liberdade pois estaria livre das questões relativas a sobrevivência material.
Ou seja, um privilégio para poucos.
Assim já concluindo e partindo para a finalização desta apresentação
Qual o significado destas contribuições de Bourdieu para a sociologia da cultura, qual o significado da perspectiva crítica de Bourdieu sobre a produção do gosto para vcs?
É sabido, entre nós educadores/comunicadores, que todas as relações educativas e socializadoras são relações de comunicação
Ou seja, a mensagem comunicativa, mais propriamente o conjunto de regras culturais propostas pela escola, pela família, pelas mídias em geral, aquelas sobretudo relativas às artes eruditas ou á cultura letrada dependem da posse prévia de códigos de apreciação,
Em outras palavras, a sensibilidade estética, a capacidade de entender e se identificar com um objeto artístico dependem fundamentalmente da posse anterior de códigos e instrumentos de apropriação, isto é, exige uma sensibilização anterior, normalmente conquistada no seio familiar
Ora, diria Bourdieu, em uma sociedade hierarquizada e injusta como a nossa, não são todos que possuem a bagagem culta e letrada para se apropriar dos ensinamentos escolares.
Alguns, os mais privilegiados, os de origem social superior terão certamente mais facilidade do que outros pois já adquiriram parte destes ensinamentos em casa.
No entanto, para nosso autor, o sistema de ensino tratando todos igualmente não leva em consideração as diferenças de base, determinada pelas diferenças de origem social.
Bourdieu, detecta pois, um descompasso entre a competência cultural exigida e promovida pela escola e a competência cultural apreendida na família dos segmentos mais populares,
Em outras palavras, para Bourdieu o sistema escolar, ao invés de oferecer acesso democrático de um saber e de uma competência cultural tende a contribuir para reforçar as distinções de capital cultural de seu público.
Ou seja, o sistema escolar limitaria o acesso e o pleno aproveitamento do segmento menos privilegiados pois cobra deles os que eles não têm, ou seja, uma competência cultural anterior, aquela necessária para se efetivar o processo educativo.
Assim, convertendo hierarquias sociais, ou seja, as diferenças de aprendizado anterior, em hierarquias escolares, o sistema de ensino tende a perpetuar a estrutura da distribuição do capital cultural, reproduzindo e legitimando as diferenças/desigualdades entre os grupos sociais.
As disposições exigidas pela escola, como por exemplo a sensibilidade cultural, privilégio de alguns poucos, tendem a intensificar as vantagens daqueles mais bem preparados social e culturalmente.
Assim, como eu comentei a pouco, Bourdieu põe em discussão um dos maiores consensos do século, qual seja, Gosto não se discute.
Ao contrário, para nosso autor, o gosto não é uma propriedade inata dos indivíduos. O gosto é produzido e é resultado de um feixe de condições matérias e simbólicas.
O gosto se adquire social e culturalmente, é resultado de diferenças de origem e de oportunidades sociais.
Para Bourdieu, as distinções de gosto revelam, sobretudo, uma ordem social hierárquica e injusta,
revela as diferenças estruturais a muito arraigadas em nossa sociedade.
Para finalizar seria bom fazer algumas ressalvas a esse pensamento. Pierre Bourdieu é ainda muito respeitado como um dos fundadores do paradigma teórico acerca das praticas de cultura. Não obstante, uma série de trabalhos vem tentando atualizar suas contribuições, admitindo a existência de outros espaços transmissores e legitimadores de um gosto cultural. Entre eles podemos destacar o poder das mídias ou, no caso específico dos jovens, seus grupos de pares. Nas sociedades modernas, portanto, uma gama complexa de referencias de cultura partilharia com a escola e a família a formação do gosto de todos os segmentos sociais.
Muito obrigada
Um comentário:
Muito boa sua análise da obra de Bourdieu, tomei posse de algumas palavras suas e utilizei, com as devidas referencias é claro no meu portfólio. Parabéns!
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