segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Publicações - Lisandra Ogg Gomes

ARTIGOS/PERIÓDICO PUBLICADOS
OLAREITA, B. F. ; SILVA, C. F. S. ; GOMES, LISANDRA OGG . UM OLHAR SOBRE UMA INFÂNCIA INDÍGENA - Entrevista de Beatriz Fabiana Olarieta, Conceição Firmina Seixas Silva, Lisandra Ogg Gomes com Paula Mendonça de Menezes. Teias (Rio de Janeiro), v. 19, p. 169-181, 2018.
Acesse aqui

GOMES, LISANDRA OGG. Estudos da infância: diálogos contemporâneos. CHILDHOOD & PHILOSPHY, v. 14, p. 05-10, 2018.


PEREIRA, RITA RIBES ; GOMES, LISANDRA OGG ; OLARIETA, BEATRIZ FABIANA ; SILVA, CONCEIÇÃO FIRMINA SEIXAS . ESTUDOS DA INFÂNCIA - DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS. Teias (Rio de Janeiro), v. 19, p. 03-07, 2018.
Disponível aqui

GOMES, LISANDRA OGG; NOGUEIRA, M. A. . A excelência escolar em uma escola pública de ensino médio. EDUCAÇÃO EM FOCO, v. 20, p. 189-208, 2017.
Disponível aqui

GOMES, LISANDRA OGG. Olhar atento às vulnerabilidades infantis. Revista Veras, v. 7, p. 172-178, 2017.
Disponível aqui

VIANNA, Cláudia; GOMES, Lisandra Ogg. "Rosa é de menina!" O que dizem as crianças sobre as questões de gênero na educação infantil. Revista Pátio. Porto Alegre, vol. XV, nº. 36, p. 08-11, jul./set., 2013.

GOMES, Lisandra Ogg. É necessário integrar as crianças à sociedade? Revista Veras, vol. 02, nº. 02, 2012. Disponível aqui.

BREDA, Bruna; GOMES, Lisandra Ogg. Entre a sociologia, a infância e as crianças: uma conversa com o sociólogo Jens Qvortrup. Currículo sem fronteiras, vol. 12, nº 02, maio/agosto, 2012. Disponível aqui.

GOMES, Lisandra Ogg. Um colóquio além-mar: entrevista com Claudio Baraldi. Sociologia da Educação Revista Luso-Brasileira, ano 02, nº. 03, mar., 2011. Disponível AQUI.



CAPÍTULO DE LIVRO PUBLICADO

GOMES, LISANDRA OGG. A construção da excelência escolar. In: Maria da Graça Jacintho Setton; Leonor Lima Torres; Elias Evangelista Gomes; Teresa Seabra; Fabiana Jardim; Bruno Dionísio; Maria Carla Corrochano. (Org.). Mérito, desigualdades e diferenças: cenários de (in)justiça escolar no Brasil e em Portugal. 1ed.Alfenas -- MG: Editora Universidade Federal de Alfenas, 2017, v. 1, p. 95-113.

GOMES, L. O.. Questões particulares da infância na complexidade social. In: Magali dos Reis; Lisandra Ogg Gomes. (Org.). Infância: sociologia e sociedade. 1ed.São Paulo: Attar Editorial, 2015, v. 1, p. 123-144.



GOMES, L. O.; AVANZINI, C. M. V. . Concepçao de Infância, Criança e Educação. In: Alexsandro da Silva; Claudinéia Maria Vischi Avanzini; Ester Calland de Sousa Rosa; Telma Ferraz Leal. (Org.). Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. A criança no ciclo de alfabetização. Caderno 02. 1ed.Brasília: Ministério da Educação, 2015, v. 1, p. 1-9.





GOMES, Lisandra Ogg. Os processos de socialização, as crianças e a migração. In: MAZZA, Débora; SIMON, Olga Von (orgs.). A mobilidade humana e diversidade sociocultural. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2012.

domingo, 16 de setembro de 2012

Agenda agosto/setembro de 2012

Encontros GPS

Dias 06, 13 e 27 de agosto

Discussão textos:
Tese Doutorado Premiada pela CAPES na área da Educação
Bernard Lahire – O Homem Plural
Claudia Fonseca – Quando um caso NÃO é um caso

Dia 17 de setembro

Conferência Abertura Profa. Maria da Graça Setton

VII Fórum de Escolas de Moda e VIII Colóquio de Moda
ABEPEM – Associação Brasileira de Estudos e Moda
Rio de Janeiro

Dia 18 de setembro

Participação da Profa. Maria da Graça Setton
Mesa Redonda – Educação Musical na Contemporaneidade
IV Semana de Educação Musical
VIII Encontro Regional Sudeste da ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical – 17 a 21 de setembro de 2012 – Instituto de Artes da UNESP

Outubro/Novembro / Dezembro de 2012

Excepcionalmente o GPS não realizará encontros presenciais.

Atividades

Graça Setton – Estágio de Pesquisa no Exterior – Universidade Paris – Descartes – Paris.
Kadyne Macedo – Apresentação Trabalho Final em Novembro do Simpósio de Iniciação Científica
Fernanda CampagnucciDesenvolvimento Trabalho de Campo e Escrita de sua Qualificação de Mestrado – fevereiro de 2013
Gabriela Valente – Frequência Disciplinas do Mestrado
Elias Evangelista – Preparação Viagem Bolsa Sanduíche Espanha – Universidad Complutense de Madri
Michelle Prazeres – Escrita da Tese de Doutorado a ser defendida em Março de 2013
Rodrigo Ratier – Desenvolvimento Trabalho de Campo e Escrita de Parte de sua Qualificação de Doutorado
Ana Sefton – Escrita capítulos tese de Doutorado e retorno ao campo

sábado, 15 de setembro de 2012

A interiorização silenciosa das disposições de habitus - Palestra Graça Setton


IV congresso de Moda
SENAI – Rio de Janeiro
17 de setembro de 2012

Conferência proferida pela Profa. Maria da Graça Setton


Título: A interiorização silenciosa das disposições de habitus

Primeiramente, boa tarde a todos
É com grande satisfação que aceitei o convite dos organizadores deste evento para estar aqui presente com vocês.
O que trago é uma reflexão que venho travando com meus alunos do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da USP, no interior do grupo de pesquisa denominado Praticas de Socialização Contemporânea, coordenado por mim, acerca dos processos e estratégias de socialização, mas especificamente as estratégias pouco visíveis e silenciosas da educação que incidem sobre nosso comportamento ou nas nossas práticas de cultura.
A pesquisa que deu ensejo a essa discussão, refere-se a uma Iniciação Científica, realizada por uma graduanda em Pedagogia, da FE-USP; tal estudo se insere ainda no escopo de investigações realizadas acerca de outras práticas ou disposições de habitus, entre elas as disposições de gosto relativas à moda, com base em estratégias difusas e ocultas de socialização.
Portanto, passam notadamente, pelo exercício de um aprendizado a partir de um convívio e ou de uma impregnação cultural silenciosa.
Vale ressaltar que o que trago ainda para vcs nessa palestra, acerca das práticas relativas à moda podem e devem ser estendidas para todas as práticas de cultura.

Mas ....o que é mesmo uma prática de cultura?

Trata-se, no meu entender, de todo tipo de comportamento cotidiano, toda ação que faz parte da rotina dos indivíduos ou dos grupos, toda prática que, compondo o dia-a-dia de cada um, explicita um modo de ser e de fazer dos agrupamentos humanos.

Assim, as práticas de cultura em geral podem enquadrar-se nas ações mais prosaicas como, por exemplo, as maneiras de se alimentar, de se vestir ou arrumar o interior das casas
podem enquadrar-se nas escolhas mais extraordinárias, como as relativas à participação em uma associação política, religiosa ou artística, podem enquadrar-se numa opção de lazer ou turismo ou podem se expressar ainda nos comportamentos relativos à escolha de um livro para ler, bem como a tendência por uma expressão estética ou de estilo.

Lembro ainda como expressões de praticas de cultura toda sorte de ações, ora conscientes ora inconscientes, que expressam um movimento corporal quase instintivo, como o andar, o sentar, o falar, o gesticular com as mãos, o ato de fazer um sinal da cruz em frente a uma igreja ou mesmo beijar uma mesusá ao sair ou entrar em casa.

Neste sentido, o que quero discutir aqui com vcs são aspectos relativos ao processo de transmissão difusa de disposições de cultura que irão condicionar uma prática social como a da moda.

Trata-se, sobretudo, de uma investigação que procura dialogar com a teoria disposicionalista empreendida por Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, entre outros, com a intenção de observar e aprofundar os conhecimentos sobre estratégias educativas pouco investigadas, mas muitas vezes involuntárias capazes de construir disposições de habitus.

Preparei para hoje uma apresentação montada em três momentos.
No primeiro deles vou justificar esta problemática
Em seguida, vou me ater aos mecanismos fundamentais que possibilitam o processo de transmissão e incorporação de valores do gosto relativo à moda e,
Por ultimo, vou me debruçar sob as condições de possibilidade de sucesso destes processos de incorporação de disposições de cultura ou disposições de habitus.

Assim sendo, valeria iniciar observando que dentre os estudiosos que se ocupam dos processos educativos, as reflexões acerca das estratégias difusas e insensíveis na formação das disposições de habitus ainda são pouco expressivas.

Grande parte da produção socioantropológica sobre o assunto acaba por revelar, sem verificação empírica, estilos de vida e de gosto, revelações essas que ainda que relevantes, pouco nos auxiliam na sistematização teórica de como eles se constroem.
Parto do pressuposto que a moda e seus estilos são bons exemplos de práticas culturais apreendidas de maneira insensível, desde a mais tenra infância, no interior de instituições variadas, como a família, a escola, clubes e demais espaços de convívio, predominantemente realizadas nas relações de sociabilidade não formais e não intencionais, no entanto, capazes de deixar marcas profundas nas disposições de gosto dos indivíduos.

A partir daí, dialogando com as contribuições de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, busquei compreender melhor os mecanismos pelos quais as disposições de gosto são transmitidas e incorporadas mesmo quando não se tem a intenção explícita de educar/socializar em certa direção.
Trata-se, no meu entender, de um empreendimento necessário para avançar nas questões teóricas relativas aos processos socializadores silenciosos.

Assim sendo, segundo Lahire, desde Bourdieu, a teoria sociológica vem aceitando sem questionamentos a teoria da transmissão cultural do gosto.

Admite que Bourdieu registrou o maior esforço nesta direção, mas alerta contudo, que precisamos aprender mais sobre como essa transmissão se realiza.

De acordo com Lahire, a disposição de gosto é uma realidade que deve ser observada diretamente pelo pesquisador. Ela exigiria de nós um trabalho de identificação dos princípios, estratégias ou modalidades práticas que geram a incorporação de uma diversidade de disposições e gostos.

Nesse sentido, inspirando-me nas proposições críticas de Lahire, julgo que a noção de disposição de cultura, entre elas a da moda deve ser melhor investigada a fim de poder avançar na compreensão das estratégias socializadoras, em especial aquelas difusas, silenciosas e ocultas.

Por outro lado, no que se refere às contribuições de Bourdieu, lembro que para ele, disposições de cultura exprimem, em primeiro lugar, o resultado de uma ação cognitiva e organizadora das mentes, apresentando um sentido próximo ao de palavras como estrutura
designa uma maneira de ser, um estado habitual, em particular do corpo e, sobretudo, uma predisposição, uma tendência, propensão ou inclinação construída ao longo dos processos socializadores, às vezes à custa de dores e sofrimentos individuais.
Segundo Bourdieu, na expectativa de reconhecimento ou de obediência às exigências de um espaço social específico, os agentes ver-se-iam muitas vezes predispostos a agir segundo as demandas exteriores.
A ação social seria, portanto, produto de um sentido prático, um ato realizado a partir das injunções de cobranças de um contexto cultural singular.
Neste sentido, disposição cultural e ou de gosto, entre elas às relativas à moda, para Bourdieu, refere-se a um conjunto de esquemas classificatórios,
apreendidos de maneira sistemática ou de maneira difusa
no seio da família ou no interior de instancias produtoras de valores morais e comportamentais
com forte poder formador e identitário.

Numa tentativa de definição, Bourdieu afirma que disposição é o mesmo que exposição.

É porque o corpo é exposto, posto em perigo no mundo e constantemente confrontado com o risco da emoção, que se vê obrigado a levar o mundo a sério. Segundo ele, aprendemos com o corpo. A ordem social inscreve-se nos corpos através desta confrontação permanente, mais ou menos dramática, mas que dá sempre grande lugar à afectividade e, mais precisamente, às transacções afectivas com o meio ambiente social.
Para os interesses desta discussão, proponho então, agora, já na segunda parte desta palestra mobilizar conceitos, autores e uma sensibilidade do olhar para estudos sobre processos socializadores difusos e pouco sistemáticos das praticas de cultura.

E nessa direção é possível afirmar que além de teóricos como Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, outros como Peter Berger e Thomas Luckamann, ambos sociólogos europeus, mas expatriados nos EU, e autores do livro A construção Social da Realidade, contribuem nas reflexões desenvolvidas acerca dos processos socializadores difusos e silenciosos.

Mais especificamente, para Peter Berger e Thomas Luckmann a transmissão e ou incorporação de um patrimônio cultural imaterial, entre eles, as disposições de gosto, devem ser compreendidos na e pela interação simbólica entre grupos e indivíduos.
Esta perspectiva permite apreender o processo de constituição das disposições culturais de gosto, ou seja, a construção dos esquemas mentais e comportamentais dos sujeitos tendo como base a reciprocidade, a troca e a interação simbólica entre os indivíduos.

Segundo esta perspectiva, o mais íntimo dos traços de personalidade ou dos comportamentos, as mais íntimas das práticas individuais só podem ser apreendidas se detectarmos a rede de relacionamentos, a configuração social e simbólica de indivíduos com seus semelhantes.
Nesta linha de raciocínio, perguntamos então objetivamente, como se formam as disposições de gosto relativas à moda ou demais esquemas de ação naturalizados, tal como os relativos à sexualidade ou à religiosidade?
Tentando responder a essas questões, penso que devemos privilegiar dois momentos

Em primeiro lugar devemos recuperar as modalidades ou tipos de situações de transmissão e incorporação de heranças disposicionais do gosto e entre essas modalidades destaco a importância da linguagem e os modos de reiteração de sentidos desta linguagem
Em segundo lugar devemos considerar as condições de possibilidade, os alcances e limites dessas condições de transmissão e incorporação, ou seja, a questão da autoridade e os aspectos legitimadores que envolvem essas estratégias.

Vejamos, em relação ao aspecto da linguagem, concordando com os autores afirmaria que ela é responsável pela comunicação entre os indivíduos, ou seja, é responsável pela comunicação entre um eu e um outro, e
por extensão
a linguagem ou os sistemas simbólicos, suas categorias do pensamento e julgamento, tornam real e objetivo o mundo, dão um sentido coletivo ao nosso mundo
Enquanto sistema de sinais e significados apreendidos desde a mais tenra infância, a linguagem falada e ou gestual não é neutra, ela nos apresenta um mundo dotado de sentido e significados.
Em outras palavras, poderíamos afirmar que os sistemas simbólicos ou a linguagem podem ser concebidos de três maneiras.
Primeiro, como estruturas de orientação da ação ou instrumentos de conhecimento do mundo dos objetos e seres que nos rodeiam.
Neste sentido, a língua, a arte ou a religião são sistemas de símbolos já estruturados, sistemas que todos nós temos acesso e fazemos uso igualmente.
A segunda maneira de conceber os sistemas simbólicos refere-se à compreensão de estruturas estruturadas como um código de comunicação
aqui salientamos a natureza das equivalências entre sons e sentidos, passível também de ser utilizada por todos.

Todavia, esses símbolos de comunicação e conhecimento do mundo expressos na linguagem não se reduzem à submissão passiva e consciente. O lento processo de aquisição de referências inculcadas pelas instâncias produtoras de cultura é resultado de experiências inconscientes.

A família, a escola, o grupo de pares e mais recentemente as mídias, cada um à sua maneira, imporiam, sem coerção ou consciência, um sistema integrado de padrões de comportamento e representações.
Enquanto produtos de determinações sociais, os bens culturais produzidos em diferentes matrizes, submeteriam o agir e o pensar dos agentes de forma lenta e velada.
Nesse sentido, os sistemas simbólicos, assim concebidos, tornariam possível o consenso sobre a realidade que nos cerca.
Símbolos das mídias igualmente como a linguagem do cotidiano são instrumentos de integração do mundo. Enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação são responsáveis por parte do consenso acerca do sentido do mundo social.
Desta forma, qualquer tema significativo que a linguagem abranja reiteradamente – entre eles as disposições relativas ao gosto - poderá ser definido como um símbolo a ser seguido e tomado como evidente e natural.

Não obstante, para Berger e Luckmann, os processos de constituição simbólica do mundo, por estarem sempre em constante construção necessitam de reforço contínuo.
No que se refere às práticas da moda, estratégias conscientes e inconscientes – como por exemplo, a rotina das compras, a escolha de uma vestimenta nos rituais festivos familiares ou grupais, a consulta à experts no assunto - auxiliam a fornecer um ambiente de tipificar escolhas, e de certa forma auxiliam na sedimentação de tradições relativas à moda ou a um estilo.
Em outras palavras, o conhecimento expresso reiteradamente do que é próprio ou impróprio para se usar em tal ou qual ocasião ajudaria a construir uma realidade, ordenando o mundo da moda que será apreendido como um fato; e, em seguida este universo será interiorizado na forma de uma disposição de gosto, como verdade.

Assim sendo, quanto mais importante esse acervo de disposições para a preservação da memória e estabilidade de um grupo de estilo, mais cuidadoso será esse processo de fixação e legitimação;
mais atentas serão as estratégias de sedimentação e reiteração de uma tradição de estilo.

E agora, indo para a terceira e ultima parte desta apresentação, lembro que se até agora apresentei as estratégias lingüísticas e cognoscitivas de transmissão de um corpo de símbolos e valores imateriais, cumpre agora considerar as condições de possibilidade que viabilizam os processos de incorporação de disposições de cultura, que embora sejam pouco perceptíveis, revelam-se poderosas e insidiosas.

Como primeira condição de possibilidade que assegura a permanência de certos aspectos de uma cultura imaterial da moda, lembraria a regularidade em que elas se apresentam.
Ou seja, o ato de consumir a moda, o ato de se vestir de determinada forma, escolher o que comprar e como combinar nossas roupas, acessórios ou utensílios, revelam idiossincrasias grupais que são continuamente repetidas, seja em grupo ou individualmente.

A regularidade destas práticas expressa uma assertiva sobre a identidade de um coletivo ou de um grupo de estilo, reforçando sem conflito ou divergência, um gosto ou disposição de um jeito determinado de como e o quê consumir.
Tempo, regularidade, freqüência, rotina, são algumas noções que expressam condições sociais favoráveis à construção de maneiras de ser
trabalham a favor de uma orquestração de sentidos em que evidencias exteriores compõem representações acerca de um gosto.

Não obstante, nem a linguagem nem a reiteração de valores da moda teriam força suficiente se não contassem com os recursos de um sentido de autoridade que perpassam todos eles.
Seria necessário pois chamar atenção e compreender as funções de domínio dos guardiões da herança cultural de um gosto.
Grupos de pares, estilistas, ícones da moda, celebridades.....

Assim sendo, indo além dessas duas formas de conceber os sistemas simbólicos, ou seja, como instrumentos de conhecimento e comunicação, poderíamos compreender também a linguagem como instrumentos de controle ou dominação.
Por exemplo, a linguagem dos ícones midiáticos da moda, linguagem essa expressa em comportamentos e estilos de ser e agir, como parte integrante da cultura da moda, são mais que instrumentos de conhecimento e comunicação deste universo, podem ser instrumentos de poder.
Isto é, todos os atos comunicativos, entre eles os das celebridades, não estão destinados apenas a serem compreendidos.

São também signos de autoridade a serem correspondidos.

Nesse sentido, é preciso alertar para a necessidade de se observar quem faz uso da linguagem da moda, de onde se fala sobre moda e quando se fala sobre ela.
Afirmar que toda linguagem de estilo deve ser vista dentro de um contexto social de produção e veiculação é o mesmo que afirmar que ela
Terá sempre um valor diferenciado, dependerá sempre da relação de forças entre os locutores concorrentes no mercado da moda.

As relações de comunicação podem então se constituir em relações de forças que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material e simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nessas relações.

Dito de uma outra forma, a imposição do discurso daquele que tem o monopólio arbitrário do gosto traduz-se em um poder simbólico; poder de inculcar formas e categorias de conhecimento do mundo da moda.
Segundo Bourdieu, o poder simbólico ou violência simbólica poderiam ser definidos como formas de poder invisíveis, só podendo ser exercidos com a cumplicidade daqueles que não sabem que estão sujeitos a ele ou mesmo que o exercem

Mas, como bem lembraria Berger e Luckmann interiorizamos e nos identificamos com o mundo exterior, pois necessitamos de um reconhecimento de nossos pares, em especial um reconhecimento dos outros que nos são significativos, as autoridades que nos são concebidas como legítimas

Os indivíduos então incorporariam o social, incorporariam as disposições de cultura sob a forma de afetos,
na valorização negativa ou positiva de prescrições ou enunciações performativas de um gosto.
O tom de voz, os silêncios, olhares e gestos sinalizariam sutilmente uma ordem ou uma chamada à ordem social de um gosto.

Assim sendo, as condições de eficácia dessas prescrições simbólicas silenciosamente transmitidas estariam duradoura e emocionalmente inscritas nos nossos corpos.

Mas para finalizar, lembraria um alerta de Berger e Luckmann, ou seja, a bagagem simbólica transmitida pelas tradições não é imutável.
Está profundamente arraigada em nosso inconsciente identitário, mas pode ser remodelada desde que condições específicas de socialização permitam sua revalidação ou alteração.
Em condições de pluralidade cultural como as de hoje, em que muitas instâncias socializadoras competem na nossa formação de gosto, como as mídias, as celebridades, os estilistas ou jornalistas da moda, podemos identificar táticas de distinção e ou de hibridismo na construção das disposições de gosto, abrindo espaço para uma variedade de apreciações e ecletismos no âmbito das praticas e estilos da moda, um verdadeiro jogo simbólico de referencias identitárias e estilos de grupo.
Não obstante, ainda que ambos sejam aspectos importantes, não se poderia abordá-los nos limites dessa apresentação; servem, contudo, como lembrete ou convite para próximas investigações.
Muito obrigada pela atenção.
Bibliografia Básica
SETTON, Maria da Graça Jacintho. Educação e Mídia. São Paulo. Editora Contexto, 2010.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. Socialização e Cultura – ensaios teóricos. São Paulo. Editora AnnaBlume, 2012.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. Bernard Lahire: a multiplicidade das condições de socialização e a cultura escolar. In REGO, Teresa (org.) Educação, Escola e Desigualdade, Coleção Pedagogia Contemporânea, vol. 1, Petrópolis, Editora Vozes, 2011.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Confira a agenda de atividades do GPS em Maio


Dia 04
Palestra - Professora Graça Setton, Michelle Prazeres e Rodrigo Rathier (doutorandos da FE-USP)
Título: "A produção acadêmica do Grupo Praticas de Socialização Contemporânena acerca das mídias".
Local: Curso de Licenciatura em Educomunicação -  ECA / USP
Horário: 19:30hs

Dia 05
Palestra Professora Graça Setton
Curso: Escolas, comunidades e aprendizagem com pesquisa de opinião: educação como desenvolvimento local.
Título: A mídia concorre com o trabalho educativo da escola?
Horário: 9h
Local: Ação Educativa - Rua General Jardim, 660

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Um registro da defesa de Lisandra Ogg Gomes


A pesquisadora Lisandra Ogg Gomes, da Faculdade de Educação da USP e integrante do GPS, defendeu nesta sexta-feira, dia 27, a sua tese de doutorado de título “Particularidades da infância na complexidade social: um estudo sociológico acerca das configurações infantis”.

A banca foi coordenada pela orientadora Maria da Graça Jacintho Setton (FE-USP) e contou com a participação de especialistas em temas que cruzam o trabalho, pesquisados sob a ótica dos processos de socialização: Claudia Vianna (FEUSP), Maria Leticia (FEUSP), Rita Ribes (UERJ) e Maria Alice Nogueira (UFMG).

Maria Alice Nogueira ressaltou a qualidade do trabalho. “É um material consistente, denso  e traz uma bibliografia imponente que me impressionou. Além disso, é um material original de um campo novo, a sociologia e infância”, disse. “Metodologicamente, também faz uma contribuição grande, com um campo vasto e trabalhoso”, concluiu.

Rita Ribes ressaltou a boa escolha de ter como ponto de partida a simplicidade e citou Clarice Lispector. “A escritora tem uma frase em que diz ‘Ninguém se engane. A simplicidade é fruto de muito trabalho’. Seu mérito é perceber a complexidade que está neste simples”, disse a professora. Ao tecer as suas considerações, ela ressaltou a grandeza do campo e a densidade teórica do trabalho.

Claudia Vianna enalteceu o avanço do trabalho desde a qualificação e o cuidado na escrita: “É raro um trabalho que traz o campo o tempo todo, dialogando com a teoria. O texto tem esta ousadia. Além disso, é delicioso e prazeroso, de muita qualidade. Um trabalho artesanal”, disse a professora, citando Mills.

A professora Maria Leticia Nascimento elogiou o intercâmbio que aconteceu no percurso do trabalho. “Lisandra participou do grupo de estudos que coordeno, eu fui ao GPS conversar com os alunos, e a tese reflete esta troca”, disse, agradecendo a oportunidade de estar em diálogo com a pesquisadora. Ela reforçou os elogios ao trabalho teórico da tese “São muitos campos muito bem representados, com textos que vão dos clássicos aos contemporâneos. Não é fantástico lançar mão de tantas questões para entender um grupo de crianças? Este é o grande sentido dos estudos de sociologia da infância. Trazer esta complexidade à tona”, afirmou. Por fim, ela ressaltou que seria de grande valia para quem trabalha com sociologia da infância que a tese fosse publicada como livro.

Ao final de cada exposição, Lisandra comentou as principais questões apontadas pelas professoras integrantes da banca. Após as exposições e comentários, a professora Graça Setton teceu algumas considerações, agradecendo a colaboração de todos e afirmando que foi uma grande satisfação acompanhar o trabalho.

As integrantes da banca deliberaram pela aprovação da pesquisadora com recomendação enfática de publicação da tese em formato de livro.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Agenda de abril de 2012

Confira as próximas atividades e encontros do Grupo de Pesquisa Práticas de Socialização Contemporâneas:

17 de abril
Encontro do GPS
Discussão Tese de Doutorado Lisandra Gomes
Título - Particularidades da Infância na complexidade social - um estudo sociológico acerca das configurações infantis.
Às 17:30 horas
Faculdade de Educação da USP

Dia 20 de abril
Palestra Leituras sobre Norbert Elias
Palestra Profa. Graça Setton
Escola Superior de Propaganda e Marketing
R. Álvaro Alvim, 123, na Vila Mariana
Às 14 horas

Dia 27 de abril
Defesa de Tese Lisandra Ogg Gomes
Título - Particularidades da Infância na complexidade social - um estudo sociológico acerca das configurações infantis.
Sala 114 - Bloco B - Faculdade de Educaçào da USP
Às 10 horas

Outras datas importantes

Até 12 de abril
Inscrições de trabalhos para a 35ª Reunião anual da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)
Saiba mais: http://35reuniao.anped.org.br

De 25 a 27 de julho
III Colóquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educação (na UFRJ)
Prazo de inscrição de trabalhos encerrado.
Saiba mais: http://www.coloquiolusobrasileiro.com

Veja também:

Texto da palestra "A interiorização silenciosa das disposições de habitus" - proferida pela Profa. Maria da Graça Jacintho Setton no
I Congresso Pan-Amazônico e VII Encontro da Região Norte de História Oral - História do Tempo Presente & Oralidades na Amazônia, que aconteceu entre os dias 27 e 30 de março de 2012, na Universidade Federal do Pará (UFPA).

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Palestra: A interiorização silenciosa das disposições de habitus

I Congresso Pan-Amazônico e VII Encontro da Região Norte de História Oral - História do Tempo Presente & Oralidades na Amazônia que acontecerá do dia 27 a 30 de Março de 2012, na UFPA.



Título: A interiorização silenciosa das disposições de habitus

Maria da Graça Jacintho Setton


Bom dia a todos

É com grande satisfação que aceitei o convite de estar partilhando esta mesa com o Prof. Celson e a a Profa. Lia Vieira Braga

Gostaria de agradecer também ao Prof. Petit por essa oportunidade.


O que trago para vcs aqui é uma reflexão, entre outras, que venho travando com meus alunos do Programa de Pós-Graduação em Educação, no interior do grupo de pesquisa Praticas de Socialização Contemporânea, coordenado por mim, na Faculdade de Educação da USP, acerca das estratégias de socialização, mas especificamente as estratégias pouco visíveis e silenciosas da educação.

A pesquisa que deu ensejo a essa discussão, refere-se a uma Iniciação Científica, realizada por uma graduanda em Pedagogia, da FE-USP; tal estudo se insere ainda no escopo de investigações realizadas que conta com um trabalho de mestrado e de doutorado, acerca de outras disposições de habitus como às relativas à religiosidade e à sexualidade, ambas, com base em estratégias difusas e ocultas de socialização. Portanto, passam notadamente, pelo exercício da oralidade não sistemática.


O que trago aqui então são aspectos relativos ao processo de transmissão difusa de disposições de cultura. Trata-se de uma investigação que procura dialogar com a teoria disposicionalista empreendida por Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, entre outros, com a intenção de observar e aprofundar conhecimentos sobre estratégias socializadoras pouco investigadas e muitas vezes involuntárias capazes de construir disposições de habitus.

Preparei uma apresentação montada em três momentos.

No primeiro deles vou justificar epistemologicamente esta problemática;

Em seguida, vou me ater aos mecanismos fundamentais que possibilitam o processo de transmissão e incorporação de valores de natureza imaterial e,

Por ultimo, vou me debruçar sob as condições de possibilidade de sucesso destes processos.


Assim sendo, valeria iniciar observando que dentre os estudiosos que se ocupam dos processos socializadores, as reflexões acerca das estratégias difusas e insensíveis na formação das disposições de habitus ainda são pouco expressivas.

Grande parte da produção socioantropológica sobre o assunto acaba por pressupor sem verificação empírica, mecanismos relativos à impregnação cultural, que embora relevantes, pouco nos auxiliam na sistematização teórica de como eles se realizam. Com base nessas observações, e com o intuito de aprofundar os conhecimentos na área, nossa equipe de pesquisa realizou uma investigação no banco de teses e dissertações da Capes, em um período de aproximadamente vinte anos (1990-2009) acerca dos processos de construção das práticas alimentares.

Parto do pressuposto que os hábitos alimentares são um bom exemplo de práticas culturais apreendidas de maneira insensível, desde a mais tenra infância, no seio da socialização primária, predominantemente realizadas nas relações educativas não formais e não intencionais, no entanto, capazes de deixar marcas profundas nas disposições de gosto dos indivíduos.

A partir daí, dialogando com as contribuições de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, busquei compreender melhor os mecanismos pelos quais as disposições de cultura são transmitidas e incorporadas mesmo quando não se tem a intenção explícita de educar/socializar em certa direção.

Trata-se de um empreendimento exploratório, inédito, contudo necessário, para avançar nas questões teóricas relativas aos processos socializadores.

Segundo Lahire, a teoria sociológica há certo tempo passa por um estado de letargia aceitando sem questionamentos a teoria disposicionalista tradicional. Ou seja, Lahire nos incita a apontar os meios mais adequados para se identificar aspectos ocultos dos processos socializadores construindo um olhar sobre a realidade da construção das disposições de habitus.

Admite que Bourdieu registrou o maior esforço de explicitação em matéria da teoria disposicionalista, contudo, concordando com Lahire, como habitualmente estamos acostumado a esse vocabulário, supomos saber o que é uma disposição ou um esquema ou uma fórmula geradora de práticas, mas na realidade não sabemos como elas se realizam.

De acordo com Lahire, a disposição de cultura é uma realidade que deve ser observada diretamente pelo cientista social. Ela pressupõe a realização de um trabalho empírico e interpretativo para identificar comportamentos, práticas e representações. Trata-se de fazer aparecer os princípios ou estratégias que geram a natureza da incorporação de uma diversidade de práticas e gostos.

Nesse sentido, inspirando-me nas proposições críticas do autor, julgo que as noções de disposição e transferibilidade devem ser melhor esclarecidas a fim de poder avançar na compreensão das estratégias socializadoras, em especial aquelas difusas e ocultas do social.

Por outro lado, para Bourdieu, disposições de cultura exprimem, em primeiro lugar, o resultado de uma ação cognitiva e organizadora das mentes, apresentando um sentido próximo ao de palavras como estrutura; designa uma maneira de ser, um estado habitual (em particular do corpo) e, sobretudo, uma predisposição, uma tendência, propensão ou inclinação construídas ao longo dos processos socializadores, às vezes à custa de dores e sofrimento individual.

Segundo Bourdieu, na expectativa de reconhecimento ou de obediência as exigências de um espaço social específico, os agentes ver-se-iam muitas vezes predispostos a agir segundo as demandas exteriores. A ação social seria, portanto, produto de um sentido prático, um ato realizado a partir das injunções de cobranças de um contexto cultural singular. Neste sentido, disposição cultural para Bourdieu, refere-se a um conjunto de esquemas classificatórios, apreendidos de maneira sistemática ou de maneira difusa no seio da família ou no interior de instancias produtoras de valores morais e comportamentais com forte poder formador e identitário.

Numa tentativa de definição, Bourdieu afirma que disposição é exposição. É porque o corpo é exposto, posto em perigo no mundo e constantemente confrontado com o risco da emoção, que se vê obrigado a levar o mundo a sério. Segundo ele, aprendemos com o corpo. A ordem social inscreve-se nos corpos através desta confrontação permanente, mais ou menos dramática, mas que dá sempre grande lugar à afectividade e, mais precisamente, às transacções afectivas com o meio ambiental social.

Para os interesses desta discussão, proponho então, agora, já na segunda parte desta palestra sistematizar uma orientação de verificação empírica acerca das estratégias pouco evidentes de construção das identidades sociais. Espero mobilizar conceitos, autores e uma sensibilidade do olhar para estudos sobre processos socializadores difusos e pouco sistemáticos.

Reitero que o desenvolvimento de uma sociologia da socialização implica que a noção de disposição seja central nestas investigações e para se compreender totalmente uma disposição precisamos reconstituir sua gênese, ou seja, suas condições ou modalidades de formação.


É possível afirmar que além de teóricos como Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, Peter Berger e Thomas Luckamann (1983), contribuem nas reflexões desenvolvidas acerca dos processos socializadores. Partindo do ponto de vista da sociologia do conhecimento estes autores oferecem um conjunto de aspectos que devem e poderiam ser somados aos auxílios já registrados na área.

Mais especificamente, para Peter Berger e Thomas Luckmann a transmissão de um patrimônio cultural imaterial e ou a incorporação de um acervo de conhecimentos de uma coletividade, entre eles, as disposições relativas às práticas alimentares (sexuais e ou religiosas), devem ser compreendidos como uma eterna produção de sentidos realizada na e pela interação simbólica entre grupos e individuos.

Esta perspectiva permite apreender o processo de constituição das disposições culturais, ou seja, a construção dos esquemas mentais e comportamentais dos sujeitos tendo como base a reciprocidade, a troca e a interação entre indivíduos. Segundo esta perspectiva, o mais íntimo dos traços de personalidade ou dos comportamentos, as mais íntimas das práticas só podem ser apreendidos se detectarmos a rede de relacionamentos, a configuração social e simbólica de indivíduos e seus semelhantes.

Para uma larga tradição sociológica, as condições de existência são na realidade condições de coexistência.

Nesta linha de raciocínio, perguntamos então, como se formam as disposições alimentares ou demais esquemas de ação naturalizados, tal como os relativos à sexualidade, à música ou à religiosidade?

Poderiam os hábitos precocemente interiorizados de maneira difusa, e em condições favoráveis ou não à sua boa incorporação, dar lugar aquilo que chamamos de gosto, desejo ou paixão? (LAHIRE, 2002).

Partindo dessas questões, penso que devemos privilegiar dois momentos


Em primeiro lugar devemos recuperar as modalidades e as práticas das situações de transmissão e incorporação das heranças disposicionais e entre elas destaco a importância da linguagem e a reiteração dos sentidos desta linguagem

Em segundo lugar devemos considerar as condições de possibilidade, os alcances e limites delas, ou seja, a questão da autoridade e os aspectos legitimadores que envolvem essas práticas.


Em relação ao aspecto da linguagem, enquanto modo de transmissão/incorporação, seria importante retomar a máxima teórica proposta por Berger e Luckmann, qual seja, a linguagem é responsável pela comunicação entre o eu e o outro, e por extensão os sistemas simbólicos, suas categorias do pensamento e julgamento, tornam real e objetivo o mundo, dão sentido ao nosso mundo.

Enquanto sistema de sinais e significados apreendidos desde a mais tenra infância, a linguagem falada e ou gestual torna significativa as práticas e os comportamentos sociais, fornecendo inexoravelmente uma forma de apresentação do mundo.

Esta apresentação não é neutra, exerce como desdobramentos, efeitos coercitivos, forçando a todos a entrar em seus padrões de comportamento e representação.

Em outras palavras, qualquer tema significativo que a linguagem abranja reiteradamente – entre eles as disposições alimentares - poderá ser definido como um símbolo a ser seguido e tomado como evidente e natural. Em virtude de sua acumulação este acervo social do conhecimento pode ser transmitido de geração a geração estabelecendo zonas de compreensão e convívio, elementos fundamentais para o uso em situações de rotina, tipificando individualidades, modelos de conduta e disposições de habitus etc.


O ritual da repetição e a legitimação de uma verdade


Não obstante, para Berger e Luckmann, os processos de construção simbólica do mundo, por estarem sempre em constante edificação necessitam de reforço contínuo. No que se refere às práticas alimentares, estratégias conscientes e inconscientes – a rotina das refeições, os rituais festivos familiares ou grupais, - auxiliam o homem a fornecer a si mesmo um ambiente estável para sua conduta, tipificando ações e sedimentando tradições.

Sendo instável, o processo de construção simbólica precisa todo tempo ser legitimado, explicado, justificado como tradição para as novas gerações. Para os mais jovens a memória da origem da instituição alimentar é inexistente, portanto as tradições servem como justificativas, e devem ser reiteradas para todas as novas gerações, criando um correspondente manto de legitimações que garante sua reprodução.

Neste sentido, o conhecimento expresso do que é próprio ou impróprio ao consumo alimentar ou ao comportamento sexual, ajuda a construir uma realidade, ordenando este mundo em objetos e praticas que serão apreendidos como realidade; e, em seguida, é interiorizado na forma de disposição como verdade.


Assim sendo, quanto mais importante esse acervo de conhecimento culinário (ou sexual) para a preservação da memória e estabilidade do grupo, mais cuidadoso será esse processo de fixação e legitimação; mais atentas serão as estratégias de sedimentação e reiteração de uma tradição alimentar (ou sexual). Não é fortuito o fato de comunidades migrantes reforçarem os laços de pertença a partir de memórias de um alimento comum (ou a memória dos laços familiares).


As condições de possibilidades


Indo para a terceira e ultima parte desta apresentação, eEntretanto, se até agora apresentamos as estratégias lingüísticas e cognoscitivas de transmissão de um corpo de símbolos e valores imateriais, cumpre agora considerar as condições de possibilidade que viabilizam os processos de incorporação de disposições de cultura, que embora sejam pouco perceptíveis, revelam-se poderosas e insidiosas.

Em primeiro lugar valeria reiterar que o período de contato e aprendizagem da linguagem se realiza fundamentalmente na ocasião da socialização primária, período de formação de nossa inicial compreensão do mundo. É nesse momento em que o conjunto de conceitos ou categorias do julgamento serve de elemento integrador do eu com o outro, mas sobretudo também, momento no qual se estabelece um diálogo interno entre objetividade social e a subjetividade dos individuos.

O acervo de conhecimentos que deriva de um universo simbólico específico de cada cultura adquirido na primeira infância é responsável pela constituição de uma identidade pessoal e grupal difícil de ser rompida e ou desacreditada. Nesse sentido, os ensinamentos adquiridos primariamente, entre eles os alimentares ou sexuais, são aqueles mais profundamente arraigados e constitutivos de nossa visão acerca do mundo e de nós mesmos.

Como segunda condição de possibilidade que assegura a permanência de certos aspectos de uma cultura imaterial, lembraria a regularidade em que elas se apresentam. Se primeiramente, destaquei que as disposições alimentares apreendidas na pequena infância, são insidiosas estratégias de construção de uma identidade, associada a elas, teríamos o esforço continuado de vivenciar estímulos relativos a elas em mais de uma ocasião no cotidiano.

Ou seja, o ato de comer, o que comer e seu preparo revelam idiossincrasias grupais que são continuamente repetitivas, seja em grupo ou individualmente.

A regularidade destas práticas expressa uma assertiva sobre a identidade de um coletivo, reforça sem conflito ou divergência, um gosto ou disposição a um estilo determinado de como e o quê comer. Tempo, regularidade, freqüência, rotina, são algumas noções que expressam condições sociais favoráveis à construção de sentimentos identitários; trabalham a favor de uma orquestração de sentidos em que evidencias exteriores compõem representações acerca de uma individualização.

Não obstante, nem a linguagem nem a reiteração de valores culturais teriam força suficiente se não contassem com os recursos de um sentido de autoridade que perpassam todos eles. Seria necessário pois compreender as funções de domínio dos guardiões da herança cultural alimentar ou identitária.

Como bem lembraria Berger e Luckmann o processo de socialização primária se realiza com sucesso na maioria das vezes devido à forte carga afetiva entre socializados. Interiorizamos e nos identificamos com o mundo exterior pois necessitamos de um reconhecimento de nossos pares, em especial um reconhecimento dos outros que nos são significativos.

Os indivíduos incorporam o social sob a forma de afetos na valorização negativa ou positiva de prescrições ou enunciações performativas. O tom de voz, os silêncios, olhares e gestos sinalizam sutilmente uma ordem ou uma chamada à ordem social. As condições de eficácia dessas prescrições simbólica e silenciosamente transmitida estão duradouramente inscritas nos corpos.

Ademais, a autoridade e ou domínio legitimado dos portadores de uma herança cultural, entre elas a alimentar ou sexual, são elementos que revelam condições de aceitação e adaptação dos mesmos.

Contudo, como bem alertou Berger e Luckmann (1983), a bagagem transmitida no período de socialização primária não são imutáveis. Estão profundamente arraigadas em nosso inconsciente identitário, mas podem ser remodeladas desde que condições específicas de socialização permitam sua revalidação ou alteração. Em trajetórias migratórias ou de transformação social podemos observar mecanismos de reforço dos laços pela cultura grupal, em que aspectos da alimentação podem se tornar vigorosas estratégias identitárias. Ao contrário, em condições de pluralidade cultural podemos identificar táticas de distinção e ou de hibridismo na construção das disposições de cultura, abrindo espaço para uma variedade de apreciações no âmbito das praticas alimentares, dentre uma multiplicidade de outras práticas.

Não obstante, ainda que ambos sejam aspectos importantes, não se poderia abordá-los nos limites dessa apresentação; servem, contudo, como lembrete ou convite para próximas investigações.

Muito obrigada pela atenção.